Não sou contemporânea
nas minhas preferências em relação à música e a outros temas relacionados à
arte. Da música brasileira tenho um interesse especial pela música dos anos
1930, que para mim foi à geração responsável definitivamente pela introdução do
Modernismo na nossa música rompendo com músicas de estilo parnasiano que
existiam anteriormente. E a obra de Noel é uma prova disso ao fazer um novo
estilo, construindo letras críticas, nacionalistas e irônicas. Ele vai abraçar
o samba e executa-lo entre os anos 1929 até perto de sua morte em 1937.
Como um arguto observador
da cidade onde morou, analisa as máximas da civilização e as ironiza. Como um
típico cronista traz para o texto a simplicidade e brevidade, o cotidiano dos
cariocas seus hábitos e problemas. Trata a cidade do Rio de Janeiro de forma
íntima e familiar. Na música conversa de botequim, percebe-se uma crônica
perfeita de um bar e alguns costumes dos anos 1930 e 1920.
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
O somatório de quase
300 músicas onde pontos se interligam e dão unidade ao conjunto constituem uma
obra de grande envergadura. O samba ocupa lugar central no seu trabalho, onde
ele usou toda a sua bossa, ajudando a dar formato quando define primeira,
segunda, terceira parte e refrão. Como em Com que Roupa eu vou: em que aparece o
refrão.
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou?
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou?
A obra de Noel se situa dentro de
uma visão antropocêntrica fazendo emergir o discurso do outro na sua produção. Outra
questão importante é o forte sentido nacionalista do seu trabalho, em que empreendia
críticas ao estrangeirismo como podemos ver na música, Tarzan: o filho do alfaiate.
Quando o filme do Tarzan chegou ao cinema os rapazes procuraram as academias em
busca de músculos e o samba é uma crítica a isso.
Quem foi que disse que eu era forte?
Nunca pratiquei esporte, nem conheço futebol...
O meu parceiro sempre foi o travesseiro
E eu passo o ano inteiro sem ver um raio de sol
A minha força bruta reside
Em um clássico cabide, já cansado de sofrer
Minha armadura é de casimira dura
Que me dá musculatura, mas que pesa e faz doer.
Outra coisa que gosto, e me identifico, é o romantismo
de Noel, porque, este não apresenta grandes sofrimentos, sentimentalismos,
ornamentações nem choros, a sua sensação de mal estar do mundo é fluídica e poética
como nesse trecho da antológica o Último
Desejo:
Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
Numa festa de São João
Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete
Sem luar, sem violão (..)
Noel é um cronista diferente que vem
construir a história com o que sobrou do dia a dia. Produziu músicas de valor
considerável e viveu delas, projetando seu nome para o mercado através do rádio. A música se constitui como porta voz, dos novos tempos, desse novo mundo
imediatista que situa novos valores e perspectivas. Seus versos eternizam coisas
e personagens do dia a dia. Como um cineasta ele vai juntando os cacos da “vida
como ela é” como disse Nelson Rodrigues.
O mais interessante de tudo isso é
que a obra de Noel serve de paradigma para à música brasileira, vai
atravessando décadas e influenciado compositores. Inegavelmente ele foi responsável
por transformar o samba em gênero musical de primeira grandeza. Tratou os
cariocas de forma tão íntima que foi capaz de contribuir substancialmente para
a criação da imagem que temos deles no nosso imaginário coletivo.