No imaginário coletivo, a imagem do
brasileiro cordial remete a figuras idealizadas: paz e solidariedade. Nada mais
distante de nossa realidade histórica. E nada mais avesso a visão de Sérgio
Buarque de Holanda, pensador que resistiu como poucos a nossa prodigiosa
autoindulgência, mantendo acessa a verve crítica. Em Raízes do Brasil, que
neste ano completa 78 anos de publicação. O brasileiro seria cordial porque é
avesso a formalidade, aos ritos de sociabilidade, aos limites, a disciplina das
regras e dos princípios abstratos.
A natureza do brasileiro induziria a
expansão dos sentimentos, estendendo as lealdades privadas à esfera pública. Essa
hipótese interpretativa ainda seria aplicável ao Brasil contemporâneo? De que
modo esse debate nos ajudaria a compreender a violência brasileira hoje? Um
jovem estudante que aprende na escola que vive num país democrático e vai a
casa onde sua mãe trabalha sem carteira assinada, usa o elevador de serviço e
não tem hora certa para sair se sente confuso. Sua mãe é considerada parte da
família que trabalha e mesmo sem direitos trabalhistas é ajudada pela patroa
quando passa por situações difíceis, mas nada lhe é garantido.
Sai o salario, entra a ajuda; sai a
negociação entra o pedido; sai o contrato fica a palavra. Nosso problema hoje,
não reside propriamente na cordialidade; a raiz da nossa violência patológica
reside na dualidade, na ambivalência, na dupla mensagem. Hoje o capitalismo
avançado convive com o patrimonialismo tradicional. No campo dos mais
favorecidos pode-se jogar segundo conveniência da ocasião com os dois modelos.
Nas classes populares pode-se também jogar com esse dois modelos, um dos
resultado desse jogo conduz a violência que enseja um individualismo
predatório, sem culpas e freios. Embora a violência não seja patrimônio das
classes populares, a corrupção tem se mostrando o braço mais extenso da nossa
violência.
Buarque nos deu régua e compasso por
isso não acho possível analisar a intensidade da violência brasileira sem
penetrar no espírito de seus agentes. As personalidades extraordinariamente violentas
e corruptas que povoam o Brasil são uma resposta a esquizofrênica ambiguidade a
que são submetidas, afinal a dupla mensagem causa um desequilíbrio considerável.
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