Acredito que o orgulho e a soberba é
a característica humana mais fundamental que ninguém pode dizer que não têm. As
teologias ocidentais, desenvolveram tratados sobre a natureza humana que expõem
o orgulho como a principal origem de todos os defeitos humanos. Na tradição
judaico cristã, o orgulho é atribuído a Lúcifer, aquele que era o mais belo dos
arcanjos e foi o primeiro ser da criação que trabalhou a ideia do eu, em
detrimento do nós. É o momento em que o ser se considera superior, que acredita
que pode ser igual a Deus e toma sua própria iniciativa. Na teologia medieval a
nobreza era mais vaidosa do que os pobres, na teologia contemporânea,
intelectuais, jornalistas, médicos, políticos e artistas, são categorias por
excelência vaidosas.
A pessoa virtuosa, a mulher fiel, o
filho exemplar, o marido bom cometem o pecado de dizer: eu não sou como a
mulher adúltera, o filho rebelde, o marido ruim. Por traz de cada virtude há
uma exuberância que o aproxima do vício e da vaidade. O mito mais rico da
vaidade é aquele que encontramos na ideia de Narciso, que quando vê sua imagem
se apaixona por si, é aí que está definido o instrumento básico da vaidade, o
reflexo, o orgulho de si. Avançando na tradição filosófica em uma reflexão de
Montaigne encontramos que a comparação com o outro nos faz muito mais mal do
que bem, é a vida vivida para os outros, um dos pontos centrais da vaidade.
A comparação com o outro, ou com que
ele tenha é o que leva o espanhol Calderón de la Barca a pensar que se
pudéssemos escolher a nossa vida, todo mundo escolheria de mandar e reger,
ninguém escolheria sofrer e padecer, mas as pessoas não se dão conta que mandar
e reger é representar, e padecer é viver. A realidade do mundo é parecer aos
outros venturoso. A vaidade do mundo é parecer aos outros o quão sou
importante, e isto é fundamental. As pessoas fazem qualquer coisa pela cena,
são capazes de injetar no rosto, toxina botulínica, para parecerem jovens e
saudáveis, não percebendo que é a partir daí que expõem suas idades.
Nós não compartilhamos dores e
fracassos, inundamos o facebook com sorrisos e uma vida linda. Colocamos em
casa somente fotos que mostram todos felizes e harmônicos, é sempre a situação
da família que eu gostaria de ter, ninguém mostra desarmonia. Ao ser
representada a vaidade sempre foi atribuída as mulheres e é aí que reside um
engano, porque o cuidado da mulher com a pintura do rosto, é equivalente ao
cuidado do homem com a pintura do carro.
A vaidade atual é sustenta em dois pilares: somos imortais; isso não acontecerá conosco, são eixos da atual
teologia chamada de autoajuda, a reabilitação suprema da vaidade, que
fundamenta que o orgulho de si é auto estima e não vaidade. Diferente do
pensamento religioso que era a supressão do eu, ser virtuoso significava não
traze-lo a tona. Daí recorro a Bauman quando ele diz que no Mundo Líquido, eu me torno a referência
das coisas e passo a considerar a vaidade uma virtude.
O
que existe hoje além da vaidade tradicional é o homem efêmero aquele, que posta
a todo instante, nas redes sociais sua efemeridade como orgulho ao estilo: acordei; comprei; estou comendo. Como
se a humanidade visse nesses fatos alguma relevância. Esse homem afirma para
todos que ele é o bastante, que ele é muito. Instituímos agora a vaidade como
virtude e não mais como pecado capital. Essa característica do individualismo é
surgida na Grécia, reforçada pelo mundo do Renascimento e cultuada no mundo
capitalista atual como a necessidade de ser único, especial, forte e
onipresente.
A
nossa vaidade não permite mais a falha, a tristeza, não se permite mais que se
viva a dor e o fracasso, existem auxílios químicos para isso. Hoje, é preciso
subir sem quedas, desde o início. Hoje não consertamos mais coisas, assim como
não consertamos mais relações humanas, nos trocamos. E ao trocar sapatos,
computadores e pessoas que amamos por outras vamos substituindo a dor do
desgaste, pela vaidade da novidade. Os medievais acreditavam que tínhamos
dentro de nós um demônio da soberba e da vaidade, como Lúcifer que um dia
acreditou que poderia ser Deus, hoje esse demônio continua mais vivo do que
nunca, porque viver hoje é ser visto.