quinta-feira, 19 de junho de 2014

CHICO BUARQUE O CANTOR DAS MULHERES


            Desde o início do blog quando me propus a escrever sobre músicas e cantores que eu gosto numa opinião absolutamente pessoal, pensei em falar sobre Chico Buarque minha primeira e grande paixão musical. Chico para mim sempre foi tão grande que nunca soube por onde começar esse texto. Hoje no seu aniversário de 70 anos resolvi falar sobre o que considero que ele fez muito bem, que foi fazer música para as mulheres, assumindo um lirismo doce e feminino.


            A primeira música em que ele deu voz a mulher foi na primeira pessoa com “Com Açúcar com Afeto”, em 1966 encomendada por Nara Leão. A letra fala da mulher submissa que com amor e paciência espera o marido em casa. É bem verdade que na família enquanto crescia Chico conviveu mais com mulheres do que com homens. Chico nunca aceitou o lugar comum de que conhece bem a alma feminina, para ele o ser mulher é um grande mistério.


            Mas ele é um mestre na dificílima tarefa- de sendo homem- criar músicas que só ganham significado quando cantadas por mulheres, são aquelas que trazem tão forte a maneira feminina de viver as grandezas e torturas do amor apaixonado. A canção “Olhos nos Olhos” interpretada por Maria Betânia tornou-se um grande sucesso popular. Chico consegue tocar em regiões tão doloridas e sensíveis das pessoas com tal talento e delicadeza que o gosto amargo se dissolve em pura poesia.



            Poetas e escritores tem a capacidade de representar aquilo que não vivenciaram. Chico imaginou o trabalhador sem perspectivas de “Cotidiano” ou o operário desesperançado de “Construção” sem nunca ter sido uma coisa nem outra. Retratou a morena de Angola sem jamais tê-la visto. Assim descreveu tudo o que uma mulher sente ao ser abandonada em “Olhos nos Olhos” ou em “Atrás da Porta”, e carregou na tinta da emoção ao falar como a mãe pobre e ingênua do marginal de “O Meu Guri”. Grande Chico!

quarta-feira, 18 de junho de 2014

AH, OS BONS TEMPOS DE OUTRORA


            Vocês já devem ter ouvido falar em Ulisses, o herói da Odisseia. É aquele sujeito que depois da Guerra de Troia passou dez anos tentando voltar para casa. Não foi fácil. Ele teve de enfrentar um ciclope queijeiro e antropófago, um bando de sereias psicopatas e uma bruxa que, só de implicância, queria transforma-lo num porco. Sem falar, que foi obrigado a ser amante de uma ninfa por sete longos anos.



            Sempre lembro de Ulisses quando tento fazer um programa cultural. No cinema preciso enfrentar o cheiro de pipoca com manteiga. Em concertos as pessoas que falam em voz alta. No teatro a peça, muitas vezes tediosa. E em todos os lugares tenho que enfrentar os flanelinhas. Os flanelinhas são muito piores que os ciclopes queijeiros e antropófagos.



            Em seus poemas Homero repete 873 vezes que Ulisses tinha mil estratagemas para enfrentar seus obstáculos. Eu tenho apenas um penso nos bons tempos de outrora. Me imagino caminhando pelas cidades que admiro, passeando pelos períodos mais gloriosos da humanidade. Como a magistral Roma Antiga. É para lá que eu vou quando o cheiro de pipoca com manteiga tenta dominar minha alma ou quando alguém começa a falar no celular no meio da execução musical.




            Também costumo dá uma passada na Londres do século 18, com os teatros cheios. Com as pessoas que não gostavam das peças e jogavam laranjas nos atores. E quando volto, percebo que o cinema e o teatro hoje são mais toleráveis, chego mesmo a achar que estou num lugar civilizado.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

A ÉTICA SOCRÁTICA NOS TEMPOS ATUAIS


            Ética significa sem rodeios ou grandes dificuldades “estudo dos hábitos e de suas normas”. Na vida real, a palavra ética surge quando nada mais se tem a dizer, e seu significado é quase nulo. Em meio ao impasse da crença culturalista de que o mal em si não existe porque tudo é construção social, portanto objeto de manipulação retórica e midiática, vivemos a pulverização dos critérios de valor. O conflito entre relativismo e universalismo ético sempre rasgou a reflexão filosófica desde o emblemático embate socrático-sofista.



            Os sofistas definiam a verdade como o efeito da retórica de um indivíduo sobre outro e afirmavam ser o ser humano “a medida de todas as coisas”. O filósofo via nisso uma raiz da barbárie: a elevação da retórica ao nível de norma de construção social de valor que implicaria no niilismo vulgar da sabedoria interesseira. Temos ai uma séria dúvida quanto a viabilidade moral da democracia para além de um sistema que se afoga na retórica.




            Sócrates defendeu a busca de ideias universais e racionais (o bem, a justiça, a sabedoria...), mesmo que essa busca se definisse antes de tudo, pela consciência crescente de uma certa ignorância. Devo ser capaz de reconhecer que quanto mais sei, mas sou capaz de perceber quanto ainda preciso saber. A orientação ética é clara: superar a desordem de um sistema baseado no somatório de opiniões superficiais e na racionalidade interesseira. Em tempos atuais Sócrates continua mais necessário do que nunca. 

sábado, 14 de junho de 2014

OS AUTO RETRATOS ESSENCIAIS PARA A HISTÓRIA DA ARTE


            O auto- retrato é uma confissão de intimidade. Um misto de ideias e imagens em que o pintor tenta responder com ênfase duas questões: “o que sou ?” e “o que é a pintura ?”. Selecionei quatro óleos sobre telas que marcaram a arte ocidental.


            Durer, Albrecht (Auto Retrato com Flor de Cardo, 1493)- foi feito quando o pintor alemão tinha apenas 22 anos. Na obra, notam-se marcas do aprendizado de Durer em ourivesaria e gravura. As mãos nervosas do artista seguram um ramo de cardo, a pintura tenta esconder uma certa timidez. A tessitura das roupas é tratado com o cuidado de uma pintura flamenga. O cabelo revolto parece ser encimado por uma flor de alcachofra.


            Rubens, Peter Paul (Auto Retrato com sua mulher Isabel Brandt, 1609)- Isabel está paramentada como uma rainha. Aqui o estilo flamengo é rigoroso, bordados e brocados são exaltados. Os tecidos (veludo, lã, seda entre outros) são facilmente identificados, assim como o brilho dos metais. O ideal de prosperidade e felicidade burguesa, calcado na aristocracia, reveste toda a pintura.


            Velásquez, Diego (As Meninas, 1656)- auto retrato emblemático da pintura ocidental, com o objeto que mais representa ideias abstratas. O pintor veste o hábito de cavaleiro de Santiago, a cruz no peito, comenda que só ganharia no fim da vida. Pinta os reis, que mal são vistos em reflexo, e, saindo de trás da tela, parecem anunciar: isto é pintura de reis, mas quem a vê é mais importante.



            Cézane, Paul (Auto Retrato, sem data)- é, entre os pintores consagrados, o pior retratista do século 19; quem sabe até da pintura ocidental. Quando pintava sua mulher pedia que ela ficasse imóvel como uma maça. As pessoas para ele eram meros elementos de figuração. Não tinham mais importância que os objetos ao seu redor. Ainda assim, em seu auto retrato, Cézane conseguiu reter o espaço humano, como até então ninguém havia realizado.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

COLHEITA O SAMBA BOM DE MARIENE DE CASTRO


            Conheci a baiana Mariene de Castro no disco Ser de Luz em que ela interpreta músicas da sambista Clara Nunes. Recentemente comprei seu mais novo disco Colheita lançado em fevereiro de 2014. O disco expõe seu sincretismo musical com forte brasilidade e musicalidade nacional tocante. Suas músicas são elegantes, e ela já figura na lista das grandes cantoras brasileiras, ela tem a força que vem de raiz como diz o título do samba antigo Roque Ferreira.



            O samba do disco é interpretado com fé e expressa a melhor tradução do povo brasileiro. O reportório reúne 14 canções impecáveis, amparadas por um time de músicos de primeira. São sambas que vão dos filosóficos aos divertidos com letras que trazem temas como fé, amor, respeito, trabalho, esperança, luz, alegria, coragem e paz.




            Mariene tem profunda influência de Clara Nunes, mas não a imita. Sua voz tem fluência admirável, sem esforço, ela vai do grave aos tons altos, com uma segurança de quem sabe o talento que possui. Colheita é um disco refinado, mas que precisa emplacar e ser conhecido e ouvido pelo grande público. Mariene é uma grande cantora e hoje colhe frutos do seu talento.