Acredito ser difícil alguém admitir
que sente inveja ter esse sentimento é considerado dentro dos nossos princípios
filosóficos como algo vergonhoso. Quero começar fazendo uma distinção entre
inveja e cobiça. Cobiça é desejar as coisas do outro é vontade de ter o que os
outros têm, não significa que ela seja sempre negativa, eu posso dizer: gosto
tanto da casa de fulano que vou fazer uma igual para mim. A inveja ao contrário
é sempre negativa dizer que alguém têm inveja
branca, está relacionada ao racismo brasileiro além de não entender o que é
inveja. Inveja está sempre relacionada a tristeza pela alegria alheia, definição muito
bem recortada por São Tomás de Aquino.
A inveja não resulta na vontade de
ter o que o outro têm, essa é a pura e
absoluta cobiça, a inveja é a tristeza que o outro tenha. No purgatório de Dante é um tipo de cegueira, colocada no topo dos pecados os
invejosos têm como castigo os olhos costurados com arame, e isso está
relacionado a não visão que a inveja provoca. Uma coisa interessante na inveja,
é que a maioria das pessoas se considera invejável, mas não invejosa. Um outro
elemento é que a inveja está relacionada sempre a alguém próximo: o colega de
trabalho, o vizinho, o parente. É mais fácil perdoar o sucesso de alguém distante. Uma pesquisa americana diz que para as pessoas não importa quanto eu ganhe, contando que seja mais do que as pessoas
ao meu redor.
A inveja é a falta da
máxima socrática do conhece-te a ti mesmo, escrita no templo de Apolo em
delfos, fica mais fácil dizer que o meu fracasso se deveu a inveja do que a minha incapacidade. A inveja é
dolorosa porque ela se relaciona sempre a uma homenagem indireta a quem eu
invejo. Invejar o corpo, a renda, a inteligência ou a sociabilidade de alguém é
dizer sempre que o que invejo é acima do que tenho. A inveja é sempre
amargurada, porque nasce do reconhecimento da minha fraqueza. Ser feliz com a
felicidade alheia é um grande desafio.
Penso que todos nos amam quando
estamos por baixo, mas poucas pessoas nos amam quando estamos por cima. Na
tradição judaico cristã, Caim teria matado Abel por pura inveja. Na literatura
Yago inveja Otelo, na peça de Shakespeare, O Mouro de Veneza, não suportando o sucesso deste acaba
despertando o ciúme e destruindo a Otelo, Desdomena e a ele próprio. Yago
representa a pessoa comum que ao não ser promovido no trabalho por exemplo, não faz uma auto avaliação
sobre o seu desempenho, preferindo culpar os outros. A inveja é tratada
filosoficamente porque ela traz o defeito socrático do invejo de não se conhecer,
o invejoso não ver. Saber o que eu invejo é sempre um espaço possível para eu
interpretar o que me falta.
A inveja é a incapacidade de
estabelecer os limites do meu narciso do meu eu, é o reconhecimento da
incapacidade e do fracasso pessoal e social. Acredito que a solidariedade ao
outro no sucesso é o teste máximo. No momento da dor não testamos os amigos,
mas a caridade alheia, esse momento causa simpatia a muitas pessoas. Para Heidegger
o teste da amizade é relatar ao amigo o sucesso.
O invejoso é aquela pessoa que
coloca sua alma à exposição pública. É um pecado e um defeito universal que
nasce da diferença humana. Apesar de sermos agrupados em conjuntos de incrível
similitude, nós somos, absolutamente diversos. A inveja esconde a dor de que eu
prefiro tudo, ao parecer dolorido, fraco ou fracassado. A inveja esconde a
falta de convívio com o fracasso, uma habilidade superior a minha, mostra
sempre o espaço daquilo que eu não sou. Acredito que a inveja é um grande erro
porque ela impede que eu seja feliz, e é esse o seu elemento mais doloroso, ela
me torna infeliz ao não me permitir pensar naquilo que eu tenho.