Esses
dias que me ausentei do blog estive pensando que escrever é como fazer a mala.
Na falta da palavra exata precisamos empregar muitas; sem saber qual vai ser a
roupa certa carregamos uma mala enorme. A roupa certa e a palavra exata
proporcionam muita satisfação. É animador poder escrever iniciante em vez de
“gente que está começando a aprender”, é reconfortante que num lugar estranho,
bem longe das nossas gavetas, nos viramos com um punhado de peças. Mas
trabalhar com pouco é arte de craques. Não é casual que sejam os poetas e não
os tabeliões, que extraem das palavras o máximo rendimento.
Pensava
nisso ao contemplar o triunfo irremediável do gerúndio. A primeira vista uma
moda tão passageira e circunscrita quanto “broto”, o gerúndio ultrapassou
fronteiras e, pelo tempo que já dura, parece ter vindo para ficar. E, no
entanto, é o contrário da síntese e da exatidão: propõe dizer com mais palavras
o que se resolvia antes com a brevidade do infinitivo. Fazer, mostrar,
telefonar em vez de estar fazendo, estar mostrando, estar telefonando. Qual é o
misterioso prazer que essa profusão de palavras proporciona? De onde vem a
recompensa para esse esforço contínuo?
Dizem
que o hábito surgiu das ligações de telemarketing, se tiver nascido nessa área
passou rápido para secretárias, porteiros, recepcionistas, assessores de
imprensa, pedagogos... e até você ouviu a sua própria voz pronunciar com
assustadora naturalidade “vou estar mandando”. Penso que definitivamente se o
gerúndio alcançou assustadora popularidade é porque devia haver, ao menos
inicialmente, uma espécie de avidez, de demanda reprimida que ele revelou e
satisfaz. Não como a palavra exata que, finalmente encontrada, cessa a aflição
da procura e nos devolve o poder de acuidade, nem como a peça de vestuário que
aplaca sem maiores complicações a angústia do “com que roupa?”. O desejo que o
gerúndio satisfaz é justamente de complicação. Ou do reconhecimento que isso
garante.
Possuir
palavras, como se sabe, é um privilégio- tanto maior quanto menor for o acesso
ao conhecimento. Falar com desenvoltura é um desejo mal satisfeito: palavras e
fórmulas são escassas no repertório da maioria. Nossa língua, ou a pouco
intimidade com ela, é instrumento da exclusão, e seus rebuscamentos servem ao
propósito de multiplicar as barreiras (escrevemos em português destinatário e
remetente quando em inglês bastam to
e from; precisamos de excelentíssimo,
ilustríssimo, e de digníssimo senhor quando em inglês dear sir resolve tudo). O poder fala difícil, falar difícil é um
poder e todo mundo que se sentir um pouquinho poderoso. Por isso, as palavras
simples tornam-se suspeitas. Basta ver o que aconteceu com os verbos pôr e
botar. Aos poucos as galinhas passaram a colocar ovos, os carnavalescos a
colocar o bloco na rua e o incendiários a colocar fogo.
Mais
que ninguém caia na tentação de acreditar que os simples vão enfeitar seu
discurso com palavras que façam parecer o que não são. Liquidação de loja cara,
no Brasil, é sale, ou até, vendita promozionale. Com, afinal, quem
queremos estar parecendo?