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quinta-feira, 17 de julho de 2014

HANNAH ARENDT E A BANALIDADE DO MAL


Vi recentemente o filme da Hannah Arendt (2013) de Elisabet Van Trota a filósofa que da nome ao filme é autora de uma das mais importantes obras do século XX. Arendt para mim sempre foi uma figura dura, gostei particularmente do filme por ter retratado seu lado mais humano. Como uma professora que tem um trabalho acadêmico, boas relações com seu alunos, uma mulher feliz no casamento, mas com firme postura e decisões bem recortadas diante da vida. O enredo é centrado na época em que Arendt escreveu seu polêmico livro Eichemann e Jerusalém. O filme retrata sua viagem ao julgamento do carrasco nazista capturado na Argentina e julgado em Jerusalém em 1962.



            O que se vê é a polêmica que a produção do seu texto provoca ao desmistificar Eichemann como um louco sanguinário. Sua percepção a cerca desse homem como uma pessoa comum causou mau está entre seus amigos, comunidade acadêmica, judeus e muita gente que não compreendeu sua postura. Ela dentro de uma postura filosófica descompromissada com qualquer tipo de facção, ideologia ou religião, se abstém de personalizar o caso. Admiro sua postura porque ela não usava sua condição de judia como superior a de pensadora.



            Os que se posicionaram mais ofensivamente contra sua tese não a compreenderam, porque o seu caráter é difícil. O praticante do mal banal seria um cidadão comum, que não assume uma postura deliberadamente maligna é aquela pessoa que ao receber ordens, punha em funcionamento a máquina de morte do sistema nazista. Arendt retratou Eichemann como alguém vazio incapaz de pensar que apenas repetia clichês sem qualquer tipo de consciência. A banalidade do mal seria algo tão sério que quando ocupa grupos sociais e políticos ocupa espaços institucionais. 




            Trata-se de um filme denso, mas, uma biografia de alta qualidade ao retratar a personagem por suas ideias e não somente por sua vida pessoal. No Brasil, por exemplo, como se daria a banalidade do mal? Através da naturalização da corrupção da homofobia e de outras práticas excludentes. Filme profundo de ritmo lento, mas de excelente qualidade provando que o cinema é muito mais do que mera diversão.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

A ESPUMA DOS DIAS COM AUDREY TATOU


A Espuma dos Dias (França 2013) é daquelas surpresas boas provando que é possível a produção de bons filmes num mundo em grande parte mercadológico. O filme baseia-se em importante obra homônima da literatura francesa de Boris Vian escrita no final da década de 1940. Estrelado por Audrey Tatou que dispensa apresentação. Colin (Romain Duris) é um homem rico que não trabalha, passa o tempo envolvido em invenções futurísticas como um piano que produz bebida de acordo com notas musicais, mesas girantes, sapatos que possuem vontade própria e um rato que se comporta como ser humano.


Colin recebe a visita de um amigo (Chick), que costuma gastar todo o seu dinheiro em livros mas, se relaciona com uma mulher. Assim, ele decide fazer o mesmo e conhece Chloe (Audrey Tatou) uma bela e encantadora moça eles se apaixonam e se casam. A felicidade do casal é interrompida quando Chloe se descobre doente de uma doença rara nos pulmões, Colin abandona a seu estilo de vida e passa a trabalhar em atividades difíceis para custear o tratamento de Chloe que não obtém nenhuma melhora.


Desde a primeira cena percebi que estava diante de algo inovador, diferente de tudo que eu tinha costumado ver desde O Cão Andaluz de Buñuel. O filme nos apresenta um mundo ilógico. Pessoas que voam, casam que diminuem, comidas com vontade própria, carros transparentes e em formato de nuvens. Procurei metáforas e sentidos para o que o filme apresenta e senti que assim como a lógica da vida talvez a graça esteja em não ter muito sentido. Mergulhei numa fuga de conceitos e paradigmas pré determinados, nesse sentido o filme já vale muito a pena de ser visto.


Gosto da terminação de Colin em acreditar de forma obstinada que as coisas podem melhorar, se negando as suas incapacidades e acreditando que a mulher amada poderá ficar boa. A fotografia do filme é impecável, no início os cenários são coloridos e fantasiosos, a medida que a história evolui vão se tornando esmaecidos até o ponto do filme ser terminado em preto e branco.



A Espuma dos Dias é daqueles filmes que ou se ama ou se odeia, isso pode ser justificado pelo nível de exageros a que propõem. Para mim faltou alma e uma certa dose de doçura. Em alguns momentos me senti em uma fantástica fábrica de brinquedos. Mas o filme é bom, encantador, inovador. Procura romper nossas visões pré-concebidas. Acho que o casal romântico deveria ter sido mais explorado, mas, mesmo assim gostei, não superou minhas expectativas, mas recomendo.

terça-feira, 24 de junho de 2014

A MELHOR COMÉDIA DO CINEMA: QUANTO MAIS QUENTE MELHOR


            Quanto mais Quente Melhor de 1959 é uma comédia no estilo pastelão estrelada por Marilyn Monroe e Tony Curtis, impregnada de cinismo. Curtis acha que só quer sexo, Marilyn que está apenas interessada em dinheiro e eles, ficam espantados e encantados ao descobrir que a única coisa que querem é um ao outro. O enredo é a típica comédia de besteirol. Curtis e Lewis desempenham músicos de Chicago vestidos de mulher para fugir da máfia. Eles se agregam a uma banda feminina e lá conhecem Marilyn que está em busca de um milionário, Curtis se finge de milionário para conquista-la.


            O filme continua leve, divertido, com Marylin como cantora interpretando muito bem como no solo em que canta “I Wanna Be loved by you” em que ela transforma numa fascinante e ruidosa ambientação sexual. O interessante é que ela parece alheia a sua conotação sexual, pois canta inocentemente a sua música como se fosse a única verdade.


            Um fato curioso são as lendas que existem em torno do filme. Curtis dizia que beijar Marilyn era como beijar Hitler. Marilyn tinha enormes dificuldades para decorar as falas, com extravagâncias e neuroses. A história é sobre os músicos que se vestem de mulher, mas é ela quem rouba a cena. Lemmon o companheiro de Curtis é quem aparece numa das melhores cenas do filme. No dia seguinte a uma noite romântica com um milionário, e brincando com castanholas, diz que vai casar com este para ficar com a pensão, no melhor do segmento pastelão.



            O final é uma pérola, quando o milionário que vai casar com Lemmon descobre que ele é homem e Monroe que Curtis não é um milionário eles não se aborrecem e o clima divertido do filme permanece. Comédia que se mantém atual, vê-la hoje ainda é divertido, inteligente e cativante, mesmo para o nosso olhar contemporâneo bem mais sagaz do que o público da época em que o filme foi produzido.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

AH, OS BONS TEMPOS DE OUTRORA


            Vocês já devem ter ouvido falar em Ulisses, o herói da Odisseia. É aquele sujeito que depois da Guerra de Troia passou dez anos tentando voltar para casa. Não foi fácil. Ele teve de enfrentar um ciclope queijeiro e antropófago, um bando de sereias psicopatas e uma bruxa que, só de implicância, queria transforma-lo num porco. Sem falar, que foi obrigado a ser amante de uma ninfa por sete longos anos.



            Sempre lembro de Ulisses quando tento fazer um programa cultural. No cinema preciso enfrentar o cheiro de pipoca com manteiga. Em concertos as pessoas que falam em voz alta. No teatro a peça, muitas vezes tediosa. E em todos os lugares tenho que enfrentar os flanelinhas. Os flanelinhas são muito piores que os ciclopes queijeiros e antropófagos.



            Em seus poemas Homero repete 873 vezes que Ulisses tinha mil estratagemas para enfrentar seus obstáculos. Eu tenho apenas um penso nos bons tempos de outrora. Me imagino caminhando pelas cidades que admiro, passeando pelos períodos mais gloriosos da humanidade. Como a magistral Roma Antiga. É para lá que eu vou quando o cheiro de pipoca com manteiga tenta dominar minha alma ou quando alguém começa a falar no celular no meio da execução musical.




            Também costumo dá uma passada na Londres do século 18, com os teatros cheios. Com as pessoas que não gostavam das peças e jogavam laranjas nos atores. E quando volto, percebo que o cinema e o teatro hoje são mais toleráveis, chego mesmo a achar que estou num lugar civilizado.

terça-feira, 6 de maio de 2014

TODAS AS MULHERES DO MUNDO


            Todas as mulheres do mundo (1966) de Domingos Oliveira com Leila Diniz e Paulo José é daqueles filmes que se tornaram clássicos do cinema nacional, lição obrigatória para quem discute, estuda, ou gosta de cinema. Comédia romântica de estética modernista, claramente influenciada pela Nouvelle Vague francesa, surge no contra fluxo temático e ideológico do cinema novo sendo taxada de “alienada” pela facção engajada da crítica. O filme foi um sucesso arrebatador de público, diferente de outros com estética menos palatável de sua época, colocava o indivíduo e seus afetos mais íntimos no centro das atenções.



            O filme não entra em questões sociopolíticas, o diretor investe no infatigável enredo romântico, apresenta traços autobiográficos, à época separado da atriz Leila Diniz, Oliveira oferece à ex-companheira o papel de Maria Alice, em uma trama que recria ficcionalmente aspectos de sua recente (e mal-curada) relação. O enredo de Todas as mulheres do mundo acompanha o reencontro fortuito entre dois jovens amigos: Paulo, um conquistador “incorrigível” (Paulo José, alter ego de Oliveira), e Edu (Flávio Migliaccio), um solteiro convicto. Inicia-se ali o longo diálogo que pontua a trama entre o narrador Paulo e seus atentos interlocutores.



            A estrutura narrativa do filme é composta a partir da colagem das memórias de Paulo em flashback, que descreve o percurso acidentado de sua história de amor com Maria Alice (Leila Diniz). Desde as artimanhas da conquista, passando por sucessivas brigas e reconciliações, o romance tem um desfecho tão banal, quanto surpreendente.  Quando finalmente cede ao matrimônio, Paulo assume um estado de indisfarçável excitação (evidenciado pela eufórica na atuação de Paulo José), como se após cumprir este ritual de passagem, o pesado ônus da liberdade juvenil lhe fosse tirado dos ombros.



            O filme culmina com o final feliz dos contos de fada, fato irônico, porém condizente com a utopia amorosa que Oliveira (ele próprio um confesso “Don Juan”), deseja urdir no universo possível da ficção. Gostei de ver o filme porque apresenta questões que hoje ainda reverberam como um equilíbrio delicado: de um lado, a franca consciência masculina sobre as prementes reivindicações da mulher e de outro, a resistência deliberada contra estes avanços, o que ainda limita até hoje questões de gênero dentro da relação tradicional entre homem e mulher.