A
angustia de comprovar por meios racionais se existe vida após a morte acompanha
a humanidade desde os seus primórdios. Imaginar que nos transformaremos em pó e
que capacidades cognitivas adquiridas com tanto sacrifício se perderão irreversivelmente
é a mais dolorosa das especulações existenciais, principalmente quando se
vivencia uma doença grave como o câncer.
Tamanho
interesse no destino posterior a morte, contrasta com a falta de curiosidade em
saber de onde viemos. O que erámos antes do espermatozoide se encontrar no
momento da concepção? Aceitamos com naturalidade o inexistir antes desse fato,
mas temos dificuldade em admitir a volta a mesma condição do caminho.
Consideramos
a vida uma dádiva da natureza, e nosso corpo uma entidade construída
exclusivamente para nos trazer felicidade, atender aos nossos caprichos e nos
proporcionar prazer. Essa visão egocêntrica mostra que
somos seres exigentes, revoltados, queixosos, permanentemente insatisfeitos com
os limites impostos pelo corpo e com as imperfeições inerentes à condição
humana. Acordamos todas as manhas com a sensação de plenitude, e de
funcionamento harmonioso do organismo que o desconforto físico mas
insignificante, a mais banal contrariedade são suficientes para nos causar
amargura e crises de irritação.
As sensações de felicidade, ao
contrário, geralmente são fugazes, o aparecimento de uma doença grave,
eventualmente letal, tem o condão de desestruturar personalidades, causar
desespero, destruir esperanças, inviabilizar qualquer alegria futura. Mas
comigo não foi isso que aconteceu, vencida a revolta do primeiro choque e as
aflições iniciais, associadas ao medo do desconhecido tenho conseguido reagir e
descoberto prazeres insuspeitáveis na rotina diária. Laços afetivos que de outra forma
não seriam identificados ou renovados, serenidade para enfrentar os contratempos e
busca de sabedoria para enfrentar aquilo que não pode ser mudado.
Quando entendi que podia morrer
pensei: não tem cabimento desperdiçar o resto da vida, viverei assim: se alguma
coisa me desagrada procuro avaliar qual a importância que ela tem para o
universo. Descobri que é possível ser feliz até quando estou triste, e quanto a
isso, não tenho medo de me enredar em clichês ou na vala comum das vãs filosofias.