Esse texto do Ítalo Calvino se
tornou inesquecível para mim porque fiz uma citação dele na minha dissertação
de mestrado e o meu orientador me pediu para retirar e eu não o fiz. Calvino
era minha identidade maior com a temática da cidade como um todo, que eu
tratava no trabalho de dissertação. O seu texto é tão impactante que provoca transformações
após a leitura, muda-se o olhar que se tem diante das cidades.
Moro
a mais de dez anos na mesma cidade, e durante esse período venho acompanhando
seu crescimento e suas mudanças, e mais do que nunca vejo a tese suscitada pelo
livro como atual, afinal existem múltiplas cidades dentro de uma só, variando
de acordo com os grupos sociais. Quando eu morava no trecho leste a cidade tinha
uma cara, cheiros e sabores, mais regionais e aparência menos urbanizada,
quando me mudei para o oeste encontrei uma outra cidade, mais próspera, mais
urbaniza, mas no entanto, mais quente.
Essas reflexões trazidas pela obra,
nos coloca diante de uma das mais agradáveis produções do século XX, onde o
autor lhe dá as diretrizes para que você possa fazer as coisas do seu jeito. É
um texto construído de forma a dá passagem a muitos outros espaços, ele mostra
que uma cidade espelha-se na outra, gera outra, depende da outra num processo de
apagamento de autoria única. Logo que iniciamos a leitura, temos aflorado uma
ideia de espanto, não só pelos seus mistérios e segredos, mas pela
indeterminação de imagens fugidias que tem as cidades.
As cidades apresentadas são sempre
afirmadas num não lugar, o que impossibilita de serem cartografadas e isso
reafirma a potência virtual do texto. O interessante é a capacidade geométrica
de articulação de Calvino, que divide a obra em onze blocos, cada bloco
apresentando cinco cidades, chegando a um total de cinquenta e cinco. Essas
cidades são deslocadas dentro da obra, e a leitura pode começar por qualquer
uma, são textos curtos e independentes. O leitor tem ainda a opção de ler
apenas o diálogo entre Marco Polo e o Grande Khan, ignorando o relato das
cidades. Mesmo avulsas a histórias estabelecem entre si um fio condutor que é o
de que não há cidade que não seja sujeita a mudanças.
O mais curioso é que essas cidades
imaginárias sempre têm nome de mulher através de caminhos que se abrem e se
bifurcam e nunca se apresentam os mesmos, são elas: Diomira, Isidora, Dorotéia,
Zaíra, Izaura, Marília, Zenóbia e tantas outras e escapam do controle humano,
racional que oferecem surpresas constantes a todos os sentidos. Suas ruas e vielas nunca podem ser
fixadas no papel, sendo comparadas por Marco Pólo aos caminhos das andorinhas que cortam o ar acima dos telhados, perfazem
parábolas invisíveis com as asas rígidas, desviam-se para engolir um mosquito,
voltam a subir em espiral rente a pináculo, sobranceiam todos os pontos da
cidade de cada ponto de suas trilhas aéreas.
A percepção que Ítalo Calvino
desperta através do simbólico e da descrição de Marco Polo, que adentra o
império de Kublai Khan traz a ideia de que é preciso superar as aparências e
mostrar que as múltiplas cidades são somente uma. Eu particularmente, acredito
que As Cidade Invisíveis são
construções a partir de nossa memória, que é pilar e edificação de cada cidade.
Uma coisa tenho por certo cada cidade só alcança significado, só toma forma a
partir daquilo que atribuímos a ela, através de nossas lembranças, vínculos e
identificações.