Casa
Grande e Senzala foi o livro inaugural de minha vida acadêmica, assim como a discussão em torno da ideia de brasilidade, essa ideia sempre esteve pautada por uma relação de ufanismo e
exotismo. Com as conquistas da Semana de Arte Moderna de 1922, as tendências do
movimento caminham para a constituição de uma arte nacional e nacionalista. As
imagens icônicas brasileiras são em geral caracterizadas pela presença de
personagens negros e/ou mestiços, fortes e belos, que são favorecidos pela
liberdade de uma terra tropical, paradisíaca.
Esses estereótipos continuam uma representação constante em manifestações
artísticas que tratam de uma identidade brasileira, principalmente através da
literatura, da música e do cinema. Falar
de Gilberto Freyre é tocar em assunto de muita polêmica, pelas paixões, sejam
positivas ou negativas, que sua obra de escritor e sociólogo pode levantar. Seu
primeiro e mais importante livro, Casa Grande e Senzala – a História da
Sociedade Patriarcal no Brasil (1932), foi publicado no mesmo ano em que
Adolf Hitler foi nomeado Chanceler do Reich alemão; nesta época, as teorias de
eugenia dominavam a Europa e o mundo. Casa Grande e Senzala veio na contramão
do pensamento racista em voga na época. Em sua obra, Freyre defendia o futuro
do Brasil enquanto nação mestiça, fruto da integração de brancos, negros e índios.
Segundo ele, a riqueza da nossa cultura se devia à colonização
portuguesa, constituída por um povo que se adaptava facilmente ao meio e que não
tinha preconceito quanto à miscigenação. O livro ainda causa um certo frisson
por discutir a educação, os hábitos, os costumes, a alimentação, a religião,
a língua portuguesa falada no Brasil e, principalmente, a sexualidade da família
patriarcal.
Para Freyre, “todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo
louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo [...] sombra, ou pelo menos
a pinta, do indígena ou do negro” (CGS 283). O Brasil seria um laboratório
racial, onde poder-se-ia facilmente contrastar a introversão do índio com a extroversão
do negro. A população de regiões em que a influência do sangue negro era maior
seria mais alegre do que aquela de regiões com maior influência indígena. Como
exemplo, Freyre cita a Bahia onde “tem-se a impressão de que todo dia é dia de
festa. Festa de igreja brasileira com folha de canela, bolo, foguete, namoro”
(CGS 289).
Pela importância enquanto pensador brasileiro, seus
trabalhos mais importantes foram traduzidos e publicados em 14 países. Desde Casa
Grande e Senzala, Freyre tem sido tema de artigos, livros, palestras, teses
e dissertações. Pela sua produção e influência no Brasil e no exterior, é inegável
a importância do Gilberto Freyre enquanto produtor de uma imagem do Brasil, de
um conceito de brasilidade e de uma identidade brasileira.