domingo, 23 de fevereiro de 2014

O TEMPO DAS GRANDES CATEDRAIS GÓTICAS


            O século XIII foi o período das grandes catedrais nas quais quase todos os campos da arte tinham o seu lugar. O trabalho por esses gigantescos empreendimentos se estendeu por todo o século XIV. No fim do século XII quando o estilo gótico começou a se desenvolver a Europa ainda era um continente de população esparsa e basicamente camponesa onde os principais centros de poder e aprendizagem eram os monastérios e os castelos dos barões.



            A ambição dos bispos de ostentar suas próprias e pungentes catedrais foi o primeiro sinal de orgulho cívico que despertava nas cidades. 150 anos depois esses centros urbanos se tornarão fervilhantes centros comerciais, onde os burgueses se sentiam cada vez mais independentes do poder da Igreja e dos senhores feudais. Até os nobre abandonaram a vida de sombria reclusão em seu mundo fortificado.



            No século XIV os construtores góticos não se contentavam com o estilo das limpas e majestosas catedrais mais antigas. Gostavam de exibir sua pericia na decoração e na complexidade dos rendilhados. O que fico imaginando como que com técnicas tão reduzidas para a época foram capazes de criar edifícios tão imponentes? Acredita-se que usaram fórmulas químicas hoje desaparecidas que deram aos vitrais tonalidades únicas e irreproduzíveis. Suas formas são desenhadas com base em complexos cálculos matemáticos e astronômicos que dão proporções cósmicas ao mutismo religioso.



            O mais interessante nesse mundo místico, poderoso, oponente e silencioso da arquitetura gótica é a incrível resistência das catedrais, as intempéries, aos ataques insidiosos do clima, a violências como bombardeios e a sua elegância inconteste num período em que o mundo parece rumar para uma realidade caótica. Elas continuam de pé e nos emocionando contestando o nosso entendimento de ciência e técnica.

            

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

CARMEN MIRANDA E SUA BAIANA


            A década de 1930, assistiu no Brasil a construção de uma nova identidade nacional, onde elementos das camadas populares foram incorporados a ela. A construção dessa identidade tinha como agente o Estado e diversos elementos sociais. Carmen Miranda foi o maior ídolo popular da época e a cantora mais famosa daqueles tempos, chegando a representar o Brasil no exterior.



            O desenvolvimento do rádio como novo meio de comunicação foi fundamental na construção dessa nova identidade. Antes de ser a baiana, sua imagem pública suas canções traziam o modelo de uma mulher bem sucedida, batalhadora, bela, sedutora. Na música as Cantoras do Rádio, essas mulheres eram as matriarcas que uniam o país de norte a sul.



            Carmen em suas canções popularizava a nação e vivenciava as narrativas de suas canções. Resumia a imagem que se queria da capital brasileira: Rio lindo sonho de fadas. Noites sempre estreladas e praias azuis. Rainha branca do samba, em suas canções a natureza era personificada bem como as cidades e as grandes massas populares.



            A baiana foi sua marca mais forte, Em 1939, num momento fortemente influenciado pela aversão estatal à figura do malandro, foi gravada “O que é que a baiana tem”. É um samba típico baiano de Dorival Caymmi, que, além de compositor, também a ajudou a montar o figurino de baiana e participou da gravação da música para o filme “Banana da Terra”.


CM: O que é que a baiana tem?
Coro: O que é que a baiana tem?
CM: Tem torso de seda, tem (tem)
Tem brinco de ouro, tem (tem)
Corrente de ouro tem (tem)
Tem pano da Costa, tem (tem)
Tem bata rendada, tem (tem)
Pulseira de ouro tem (tem)
Tem saia engomada, tem (tem)
Tem sandália enfeitada, tem (tem)
E tem graça como ninguém
Coro: O que é que a baiana tem?
CM: Como ela requebra bem
(...)
Coro: O que é que a baiana tem?
CM: Um rosário de ouro
Uma bolota assim
Ai, quem não tem balangandãs
Não vai no Bonfim
Oi, quem não tem balangandãs
Não vai no Bonfim.



            A cantora mais famosa do Brasil, identificada com o Rio de Janeiro, nessa música passava a se apresentar vestida com os trajes típicos das negras da Bahia. Na verdade, a imagem de baiana construída por Carmen não foi uma cópia fiel das baianas que vendiam comidas em Salvador. Ela selecionou alguns elementos dos trajes dessas baianas e acrescentou outros. Foi algo muito chocante para a época: uma cantora que sempre havia se vestido dentro das tendências da moda urbana do Rio de Janeiro, nesse momento construiu um figurino totalmente distinto. Mais impressionante ainda foi o resultado disso.




            Carmen teve um claro feeling para se tornar “mais brasileira”, ou seja, mais aceita pelo imaginário nacional, a figura da baiana. A baiana, como o próprio nome diz, não deixou de ser uma figura regional, mas as alterações feitas pela cantora deram a ela a possibilidade de, além disso, também ser nacional. Seu papel ultrapassava a bela voz e o requebrado e ajudavam a consolidar a imagem cultural que temos do Brasil.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O ARTISTA, O FILME


            Saudosista como sou quando O Artista (2011), foi lançado cai de amores imediatamente torci pelo seus prêmios e revendo o filme esses dias vi que ele é a prova que ainda somos capazes de nos emocionar com uma fantasia silenciosa. O filme se passa entre 1927 e 1933 e conta duas histórias aquela vivida entre Dujardin e Berenice e o amor pelo cinema em si.



            A paixão pelas imagens mostradas no filme transborda pela tela e desperta a função cinéfila de cada um de nós, fazendo com que os espectadores se sintam seduzidos pelo cinema. Há um pouco do cinema de Hollywood nos personagens centrais o astro Valentin é dono de um sorriso à la Rodolfo Valentino e um bigode de Douglas Fairbanks e a aspirante ao estrelado Peppy : os dois caminham em ritmo chapliniano e a evidente referência ao mestre inglês é uma das chaves para o sucesso da produção: um pouco como faz Quentin Tarantino.



            O Artista retorna ao cinema mudo seguindo toda a sua cartilha, às vezes exagerando em algumas das regras, quando então nos faz rir. Da entrada das cartelas de diálogos às cenas panorâmicas tudo no filme nos coloca num improvável túnel do tempo. É impagável, por exemplo, a passagem em que Valentin, estupefato, ouve o barulho dos objetos caindo, os saltos femininos batendo no chão. O som chegou. Nós, na plateia, ouvimos esses ruídos todos, mas, de repente, Valentin move os lábios e, de sua boca, as palavras não saem.




Gosto do filme pelo retorno a pré-história do cinema e a viagem que nos leva ao tempo de certa ingenuidade, em que o cinema era criança. É fascinante descobrir que mesmo diante da tentação do 3D uma fantasia simples e silenciosa ainda pode nos seduzir.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A HUMANIZAÇÃO


 Fiz uma visita a casa de uma amiga que tem crianças e vi o quanto que ser criança hoje é diferente de ser criança na minha época nos anos 1980. Os interesses as conversas e perspicácia e a abordagem são totalmente diferentes, ao que parece essas crianças de hoje são mais ativas do que os meus contemporâneos e têm uma visão mais detalhada do mundo. Penso que essa nova forma de pensar onde impera os elementos do mundo virtual foi construída para que as crianças também fizessem parte dessa nova lógica do capital.



homem não nasce homem, pois precisa da educação para se humanizar. Muitos são os exemplos dados por an­tropólogos e psicólogos a respeito de crianças que, ao crescerem longe do contato com seus semelhantes, perma­neceram como se fossem animais.



Na Alemanha, no século passado, foi encontrado um rapaz que crescera ab­solutamente isolado de todos. Kaspar Hauser, como ficou conhecido, perma­neceu escondido por razões não escla­recidas. Como ninguém o ensinara a fa­lar, só se tornou propriamente huma­no quando sua educação teve início. Nessa ocasião ficou constatado que pos­suía inteligência excepcional, até então obscurecida pelo abandono a que fora relegado.



Esse caso extremo serve para ilustrar o processo comum pelo qual ca­da criança recebe a tradição cultural, sempre mediada pelos outros homens, com os quais aprende os símbolos e torna-se capaz de agir e compreender a própria experiência. A linguagem simbólica e o trabalho constituem, assim, os parâmetros mais importantes para distinguir o homem dos animais.



Não se pode dizer que o homem tem instintos como os dos animais, pois a consciência que tem de si próprio o orienta, por exemplo, para o controle da sexualidade e da agressividade, sub­metidas de início a normas e sanções da coletividade e posteriormente assu­midas pelo próprio indivíduo. O ho­mem foi "expulso do paraíso" a partir do momento em que deixou de se ins­talar na natureza da mesma forma que os animais ou as coisas.



Assim, o comportamento humano passa a ser avaliado pela ética, pela es­tética, pela religião ou pelo mito. Isso significa que os atos referentes à vida hu­mana são avaliados como bons ou maus, belos ou não, pecaminosos ou abençoa­dos por Deus, e assim por diante.



Uma coisa tenho por certa, o homem é o que a tradição cul­tural quer que ele seja e também a cons­tante tentativa de ruptura da tradição. Assim, a sociedade humana surge por­que o homem é um ser capaz de criar interdições, isto é, proibições, normas que definem o que pode e o que não pode ser feito. No entanto, o homem é também um ser capaz de transgressão. Transgredir é desobedecer. Não me re­firo apenas à desobediência co­mum, mas àquela que rejeita as fórmu­las antigas e ultrapassadas para insta­lar novas normas, mais adequadas às necessidades humanas diante dos pro­blemas colocados pelo existir. A capa­cidade inventiva do homem tende a de­salojá-lo do "já feito", em busca daqui­lo que "ainda não é". Portanto, o ho­mem é um ser da ambiguidade em cons­tante busca de si mesmo.