quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

YAMANDÚ COSTA: UM PACTO COM A GENIALIDADE




Ouvir o gaúcho Yamandú Costa é viajar entre o popular e o erudito, é alguém que consegue tocar no Teatro Municipal do Rio de janeiro e gravar disco com o sanfoneiro Dominguinhos. Acredito que ele traz consigo a musicalidade dos coretos do Rio Grande do Sul, como também salas de concertos internacionais. Mas o que predomina é sempre o seu domínio mais sulista.


O gaúcho começou sua carreira artística aos 4 anos como cantor de um grupo de músicas regionais comandado por seu pai. Duas décadas depois seu talento foi reconhecido em festivais de músicas internacionais como jazz em eventos importantes no mundo todo, no entanto, ele nunca abandonou suas raízes sulistas.


O disco que tenho dele é Lida que pelo direcionamento musical, pelas composições autorais e, enfim, pelo bom gosto que permeia toda a sua produção para mim é o seu melhor registro, com clara inspiração da obra O Tempo e o Vento de Érico Veríssimo. O bom da sua obra, é que é sobretudo, brasileira, quando não está pesquisando os sons da sua infância está tocando forró ou invadindo um roda de choro na Lapa, música das melhores brasileiríssima para que possamos aproveitar. 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

NOSSO ORGULHO DE CADA DIA



            Acredito que o orgulho e a soberba é a característica humana mais fundamental que ninguém pode dizer que não têm. As teologias ocidentais, desenvolveram tratados sobre a natureza humana que expõem o orgulho como a principal origem de todos os defeitos humanos. Na tradição judaico cristã, o orgulho é atribuído a Lúcifer, aquele que era o mais belo dos arcanjos e foi o primeiro ser da criação que trabalhou a ideia do eu, em detrimento do nós. É o momento em que o ser se considera superior, que acredita que pode ser igual a Deus e toma sua própria iniciativa. Na teologia medieval a nobreza era mais vaidosa do que os pobres, na teologia contemporânea, intelectuais, jornalistas, médicos, políticos e artistas, são categorias por excelência vaidosas.


            A pessoa virtuosa, a mulher fiel, o filho exemplar, o marido bom cometem o pecado de dizer: eu não sou como a mulher adúltera, o filho rebelde, o marido ruim. Por traz de cada virtude há uma exuberância que o aproxima do vício e da vaidade. O mito mais rico da vaidade é aquele que encontramos na ideia de Narciso, que quando vê sua imagem se apaixona por si, é aí que está definido o instrumento básico da vaidade, o reflexo, o orgulho de si. Avançando na tradição filosófica em uma reflexão de Montaigne encontramos que a comparação com o outro nos faz muito mais mal do que bem, é a vida vivida para os outros, um dos pontos centrais da vaidade.


            A comparação com o outro, ou com que ele tenha é o que leva o espanhol Calderón de la Barca a pensar que se pudéssemos escolher a nossa vida, todo mundo escolheria de mandar e reger, ninguém escolheria sofrer e padecer, mas as pessoas não se dão conta que mandar e reger é representar, e padecer é viver. A realidade do mundo é parecer aos outros venturoso. A vaidade do mundo é parecer aos outros o quão sou importante, e isto é fundamental. As pessoas fazem qualquer coisa pela cena, são capazes de injetar no rosto, toxina botulínica, para parecerem jovens e saudáveis, não percebendo que é a partir daí que expõem suas idades.


            Nós não compartilhamos dores e fracassos, inundamos o facebook com sorrisos e uma vida linda. Colocamos em casa somente fotos que mostram todos felizes e harmônicos, é sempre a situação da família que eu gostaria de ter, ninguém mostra desarmonia. Ao ser representada a vaidade sempre foi atribuída as mulheres e é aí que reside um engano, porque o cuidado da mulher com a pintura do rosto, é equivalente ao cuidado do homem com a pintura do carro.


             A vaidade atual é sustenta em dois pilares: somos imortais; isso não acontecerá conosco, são eixos da atual teologia chamada de autoajuda, a reabilitação suprema da vaidade, que fundamenta que o orgulho de si é auto estima e não vaidade. Diferente do pensamento religioso que era a supressão do eu, ser virtuoso significava não traze-lo a tona. Daí recorro a Bauman quando ele diz que no Mundo Líquido, eu me torno a referência das coisas e passo a considerar a vaidade uma virtude.


O que existe hoje além da vaidade tradicional é o homem efêmero aquele, que posta a todo instante, nas redes sociais sua efemeridade como orgulho ao estilo: acordei; comprei; estou comendo. Como se a humanidade visse nesses fatos alguma relevância. Esse homem afirma para todos que ele é o bastante, que ele é muito. Instituímos agora a vaidade como virtude e não mais como pecado capital. Essa característica do individualismo é surgida na Grécia, reforçada pelo mundo do Renascimento e cultuada no mundo capitalista atual como a necessidade de ser único, especial, forte e onipresente.


A nossa vaidade não permite mais a falha, a tristeza, não se permite mais que se viva a dor e o fracasso, existem auxílios químicos para isso. Hoje, é preciso subir sem quedas, desde o início. Hoje não consertamos mais coisas, assim como não consertamos mais relações humanas, nos trocamos. E ao trocar sapatos, computadores e pessoas que amamos por outras vamos substituindo a dor do desgaste, pela vaidade da novidade. Os medievais acreditavam que tínhamos dentro de nós um demônio da soberba e da vaidade, como Lúcifer que um dia acreditou que poderia ser Deus, hoje esse demônio continua mais vivo do que nunca,  porque viver hoje é ser visto.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O GÂNGSTER




            Vi o Gângster (2007) numa daquelas tardes tediosas, não dei muito crédito ao filme, depois senti que se tratava de uma grande obra e resolvi rever para tirar algumas conclusões aqui para o blog. Assim como O Poderoso Chefão, é um filme sobre a máfia. Não há no entanto, a romantização do crime, nos dias atuais sabemos que é possível combatê-lo com sucesso. Baseado na história real de Frank Lucas, que foi o rei da heroína em Nova York entre 1968 e 1975, o Gângster é ao mesmo tempo o tributo e uma revisão do gênero que consagrou Francis For Coppola, mas sabendo que o filme não pode ser comparado a obra de Coppola que deu status de arte ao gênero.


            O Gângster é uma tentativa de reproduzir essas proporções épicas, e traz dois dos melhores atores do cinema atual Denzel Washington e Russel Crowe. O resultado é um produto sólido, eficaz, digno, mas não uma obra prima. No início o personagem vivido por Denzel Washington aparece como motorista, segurança e cobrador de dívidas de Bumpy lendário dono do crime no Harlem. Quando este morre em 1968 Lucas é o mais próximo para sucede-lo. Mas ele consegue assumir o lugar do antigo chefe com uma mistura de atitudes discretas e ameaças de violência.


            Lucas é um homem que quer transformar o crime organizado não apenas como uma atividade racional, mas também um negócio regido pela lógica empresarial. E o essencial da lógica do Gângster não está na violência dos crimes ou no glamour do estilo de vida, e sim na organização do crime como um negócio. Lucas não pertence ao gangsterismo tradicional (italianos e irlandeses), e sim a comunidade negra, o que torna seu caso único não foi sua origem mas, seus métodos empresariais.


            O filme é descendente direto da política da tolerância zero, e do não as drogas e também resultante de uma visão menos cínica resultante do fato das cidades americanas provaram ser possível triunfar sobre o crime. O Gângster é uma obra legalista, que crê na redenção pela justiça em um país democrático. 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A INVEJA E A TRISTEZA PELA FELICIDADE ALHEIA



            Acredito ser difícil alguém admitir que sente inveja ter esse sentimento é considerado dentro dos nossos princípios filosóficos como algo vergonhoso. Quero começar fazendo uma distinção entre inveja e cobiça. Cobiça é desejar as coisas do outro é vontade de ter o que os outros têm, não significa que ela seja sempre negativa, eu posso dizer: gosto tanto da casa de fulano que vou fazer uma igual para mim. A inveja ao contrário é sempre negativa dizer que alguém têm inveja branca, está relacionada ao racismo brasileiro além de não entender o que é inveja. Inveja está sempre relacionada a tristeza pela alegria alheia, definição muito bem recortada por São Tomás de Aquino.


            A inveja não resulta na vontade de ter o que o outro têm, essa é a pura  e absoluta cobiça, a inveja é a tristeza que o outro tenha. No purgatório de Dante é um tipo de cegueira, colocada no topo dos pecados os invejosos têm como castigo os olhos costurados com arame, e isso está relacionado a não visão que a inveja provoca. Uma coisa interessante na inveja, é que a maioria das pessoas se considera invejável, mas não invejosa. Um outro elemento é que a inveja está relacionada sempre a alguém próximo: o colega de trabalho, o vizinho, o parente. É mais fácil perdoar o sucesso de alguém distante. Uma pesquisa americana diz que para as pessoas não importa quanto eu ganhe, contando que seja mais do que as pessoas ao meu redor.


            A inveja é a falta da máxima socrática do conhece-te a ti mesmo, escrita no templo de Apolo em delfos, fica mais fácil dizer que o meu fracasso se deveu a inveja do que a minha incapacidade. A inveja é dolorosa porque ela se relaciona sempre a uma homenagem indireta a quem eu invejo. Invejar o corpo, a renda, a inteligência ou a sociabilidade de alguém é dizer sempre que o que invejo é acima do que tenho. A inveja é sempre amargurada, porque nasce do reconhecimento da minha fraqueza. Ser feliz com a felicidade alheia é um grande desafio.


            Penso que todos nos amam quando estamos por baixo, mas poucas pessoas nos amam quando estamos por cima. Na tradição judaico cristã, Caim teria matado Abel por pura inveja. Na literatura Yago inveja Otelo, na peça de Shakespeare, O Mouro de Veneza, não suportando o sucesso deste acaba despertando o ciúme e destruindo a Otelo, Desdomena e a ele próprio. Yago representa a pessoa comum que ao não ser promovido no trabalho por exemplo, não faz uma auto avaliação sobre o seu desempenho, preferindo culpar os outros. A inveja é tratada filosoficamente porque ela traz o defeito socrático do invejo de não se conhecer, o invejoso não ver. Saber o que eu invejo é sempre um espaço possível para eu interpretar o que me falta.


            A inveja é a incapacidade de estabelecer os limites do meu narciso do meu eu, é o reconhecimento da incapacidade e do fracasso pessoal e social. Acredito que a solidariedade ao outro no sucesso é o teste máximo. No momento da dor não testamos os amigos, mas a caridade alheia, esse momento causa simpatia a muitas pessoas. Para Heidegger o teste da amizade é relatar ao amigo o sucesso. 


            O invejoso é aquela pessoa que coloca sua alma à exposição pública. É um pecado e um defeito universal que nasce da diferença humana. Apesar de sermos agrupados em conjuntos de incrível similitude, nós somos, absolutamente diversos. A inveja esconde a dor de que eu prefiro tudo, ao parecer dolorido, fraco ou fracassado. A inveja esconde a falta de convívio com o fracasso, uma habilidade superior a minha, mostra sempre o espaço daquilo que eu não sou. Acredito que a inveja é um grande erro porque ela impede que eu seja feliz, e é esse o seu elemento mais doloroso, ela me torna infeliz ao não me permitir pensar naquilo que eu tenho.