quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

SOBRE CULTURA E FUTEBOL



            Das muitas ideias sobre o que seja cultura, quero me restringir a duas. A ideia de que seria uma espécie de passaporte aristocrático: tanto a cultura como os pequenos gestos de solidariedade de ampla divulgação podem servir para levar o nome, e os próprios produtos culturais a se tornam mercadorias. Outro sentido é o de elemento que permeia as relações humanas: na produção, no consumo e na distribuição dos meios de viver, nas relações de poder e dominação, usufruto e prazer. São os modos e ritos de nascer e reproduzir, do amor e da morte.


            Se cultura é o que dá significado as relações sociais, depois das polêmicas políticas em torno do acontecimento da Copa do Mundo no Brasil, fiquei pensando, por que não celebramos o futebol, injustiçado fenômeno cultural desdenhado pela chamada alta cultura? Afinal é um espetáculo que paralisa cidades e até países inteiros. O teatro grego, que hoje assistimos que respeitoso silêncio em sua formação era exibido entre vaias e aplausos. Vejo algo em comum entre os dois, afinal ambos despertam paixões e intermediam o prosaico humano e divino.


            Não entendo bem as regras de futebol, não assisto a jogos nem sei quem está ganhando os campeonatos, mas uma coisa tenho por certa, trata-se de uma arte imperfeita, afinal é executada com os pés. É inexorável o erro humano e o que considero curioso no futebol, é que ninguém estranha o 0 x 0 e uma única partida é capaz de formar contradições como as grandes questões ontológicas. As contendas entre os autores gregos também eram permeadas de paixões.


            Passeando pelas redes sociais da internet em dia das grandes partidas, vendo comentários dos torcedores fico pensando, como a vida o futebol não é justo e ao que parece os bons nem sempre vencem. A sorte compete e colabora com o mérito, qualquer gol é válido, do mais magistral ao mais canhestro. A mimese futebolística alcança a pós modernidade, qualquer vídeo da Copa do Mundo de 1986, dá para ver o Deus Maradona vingando sua nação da humilhação das Maldivas marcando gol contra a Inglaterra, os argentinos enlouquecidos o veneram até hoje.


            O mundo em que vivemos somos acossados por todos os meios de apelo para que sejamos ricos, belos, magros, com função sexual permanente, antideprimidos. Mas o inevitável é que a melancolia se apresenta e a arte do futebol se impõem como crítica, como política enfim. Um novo ano começa então vou vestir minha camisa, inflar minhas paixões e acompanhar o mundial, afinal, futebol também é cultura. 

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O ANJO AZUL COM MARLENE DIETRICH



Não tenho dúvidas de que minha primeira imagem de cinema foi a de Marlene Dietrich sentada numa banqueta de meias e cartola num ambiente com um fundo esfumaçado, era assim que começava o verbete de cinema da Enciclópedia Britânica que tinha na estante da sala de minha casa, e um dos meus verbetes preferidos. Nunca mais esqueci o título do filme nem a nacionalidade alemã da atriz. Esses dias, resolvi ver o filme, que só tinha lido sobre, e tirar algumas conclusões.


O professor Imanuel Ratt, era um tirano para seus alunos, pois ia além da sala de aula, tornando-se fiscal da vida privada deste. O professor era sádico e tinha inigualável prazer em torturar seus alunos, o filme como um todo apresenta um forte teor psicossocial sadomasoquista. A vida desse professor um cinquentão rabugento e moralista sofre uma reviravolta ao investigar a vida de um aluno adentra a taverna O anjo azul. Ao se deparar com Lola, a dançarina ele cai de paixões, se dedicando a ela e dizendo e tornando-a sua esposa, o que escandaliza o diretor da escola que o demite e ele passa a seguir uma vida mambembe ao seu lado.


O professor foi concebido como o retrato acabado do filisteu alemão, autoritário e pedante. Nessa nova vida ele vivencia total decomposição moral, vivendo situações de humilhação e desespero, que culmina com o regresso a sua cidade natal onde é obrigado a atuar junto aqueles enquanto vê Lola entregar-se a outra das suas conquistas. O personagem, profundamente ferido, reage de forma alucinada e tenta matar Lola. Impedido de se vingar arrasta-se até à sua ex-sala de aula (cenário dos seus dias de grandeza) para morrer.


Feito em 1930, o som ainda era novidade no cinema, e o filme explora todos os tipos de sons, é a chamada trilha sonora diegética, usada para aproximar o filme da realidade. O filme tem um parentesco com o expressionismo alemão, que pode ser observado nos cenários do início, no uso das sombras e na história que mostra a degradação moral da nobreza intelectual alemã, personificado na figura do professor.


Mas ao que parece o principal motivo que fez o filme se tornar um dos mais cultuados filmes alemães de todos os tempos foi mesmo a figura enigmática de Marlene Dietrich apresentando ao mundo o seu talento, Marlene foi descoberta em um cabaré em Berlim e após fazer um teste de elenco foi escalada para o papel da cantora de cabaré Lola Lola, sua presença é tão magnética na tela que não fica difícil saber porque estava nascendo ali um novo mito.
  

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

NIILISMO E JEITINHO BRASILEIRO





            O niilismo é um movimento filosófico que nos revela a ausência de fundamentos, verdades, critérios absoluto e universal e nos convoca diante de nossa própria liberdade e responsabilidade. Nietzsche descreve o niilismo europeu como sendo o mais estranho de todos os hóspedes em uma passagem dos seus famosos textos Vontade de Poder, pensando nisso, fico pensando: Existe um niilismo especificamente brasileiro?


            Quando Nietzsche fala do niilismo europeu ele assume em sua afirmação o ponto de vista de um migrante, alguém que está junto, mas que é possível olhar de fora. Descrevendo o niilismo europeu como a experiência histórica de esvaziamento de categorias tais como: verdade, propósito, sentido, gerando então uma crise de desorientação e insegurança. Um dos sintomas dessa crise é a atitude de desprezo pelo corpo e os prazeres. Sob essa ótica, não há nada menos niilista do que a cultura brasileira, já que aqui impera o culto ao corpo e a sua saúde aparente. Mas na verdade o hedonismo parece ser uma tendência comum na maioria das sociedades contemporâneas.


            Afinal existirá alguma manifestação específica de niilismo brasileiro? Acho que temos algumas expressões como na separação entre o que é cultura de massa e cultura de elite; a primeira manipulada pela elite, a segunda inacessível as massas. Um outro ponto é a relação ambígua do brasileiro com a natureza, entre a fascinação deslumbrante e a fúria exploratória. E principalmente, a tendência brasileira de preferir não se comprometer, do tipo eu não to fazendo nada.


            A filosofia existencialista costuma distinguir entre a atitude autêntica da atitude inautêntica daquele que delega inconscientemente a responsabilidade de suas opções para os outros. O que os existencialistas não previram foi o chamado jeitinho brasileiro: a escolha intencional da não-escolha, da inautenticidade, do cinismo. Os brasileiros diferente dos europeus que ao que parecem só sabem jogar para ganhar muito ou pouco, assumem uma nova modalidade, mudar as regras do jogo, uma metáfora inusitada presente no carnaval, no futebol e sobretudo na nossa política.


            O Brasil é uma utopia não no sentido de lugar inatingível, mas de um fora de lugar, um lugar não determinado, mas cheio de possibilidades. Em questionários aplicados por estudiosos da área das ciências sociais encontrou-se como resultado que somos o país do jeitinho identificado em três dimensões: a criatividade, a corrupção e a quebra de normas sociais. Ao que parece nossa grande dificuldade está em conseguir separar as relações pessoais das relações que necessariamente exigem impessoalidade e isso não deixa de ser uma forma de niilismo. 

domingo, 15 de dezembro de 2013

GUIA DO RENASCIMENTO



            O Renascimento foi um movimento artístico que surgiu na Itália entre os século XV e XVI, e serve até hoje para definir a ideia que temos de arte. Só assumiu um paradigma muito mas amplo, em meados do século XIX quando o movimento começava a perder força como modelo estético, aumentou tanto que hoje, o seu significado chega a ser indeterminado. Não sabemos ao certo até que ponto foi construída a ideia de um “homem do renascimento” culto e esclarecido em oposição a um homem da idade média, carola e retrogrado.


            O que  sabemos é que modernidade mesmo aconteceu com a Reforma Protestante a partir de 1517. Em arte as transições são muito fluidas é impossível encontrar uma determinação fixa de quando começa um período e termina outro. Mas o que distingue o Renascimento Italiano enquanto movimento artístico inovador é a ideia de que a Antiguidade era uma cultura que deveria ser desenterrada após séculos de esquecimento, mas do que desenterrar o antigo, o Renascimento inventa a Idade Média.


            A primeira fase do Renascimento é formada por um grupo pequeno de artistas florentinos: Filippo Bruneleschi, Donatelo, Lorenzo, Lucca Della Robbia e Masaccio. Foram eles os primeiros que fizeram reviver uma arte que como a antiga, se inspirava diretamente na natureza. Artes na Florença da época eram as corporações de artesãos e comerciantes que governavam a cidade a cidade desde o século XIV. Essas corporações transmitiam seus conhecimentos de pai para filho, os conhecimentos não eram acadêmicos, tinham uma base empírica, e bebia na fonte da engenharia, na fundição de metais e na fabricação de cores.


            Em sua maioria não liam latim, mas dispunham de tratados de ótica e geometria, traduzidos e consultavam cientistas e matemáticos sempre que fosse possível. Eram leitores vorazes da nova literatura (Dante, Petrarca, Boccacio) e estudavam história. A cultura deles se definia em função dos projetos que estavam envolvidos, uma igreja, um monumento, um quadro. Não adianta procurar um traço, um estilo igual para todos: cada um era portador de uma maneira singular de conhecer e descrever o mundo e isso também era novidade.


            Os três grandes que marcaram a transição para o século XVI foram: Michelangelo, Leonardo e Rafael, já são plenamente artistas filósofos. Daí para a frente a arte estará mais interessada na expressão do pensamento em imagens do que no objetivo do mundo. Começa a se diferenciar da ciência experimental que nascera junto com ela.


            De tudo isso entendo que houve um Renascimento, ele começou em Florença, nos primeiros anos do século XV. Não construído por um “homem do Renascimento”, mas por poucos homens que provavelmente ainda eram medievais quanto ao resto. Não foi exatamente um renascer, mas uma invenção daquilo que conhecemos hoje por arte.