sábado, 5 de abril de 2014

A MERCADORIA ESCANCARADA


            Sempre me pareceu sem sentido a frase “coca cola é isso aí”. Mas me dou conta que minha instrução não abarca a sabedoria do lucro. Aliás é interessante como a sequência de palavras de ordem dessa mercadoria símbolo acompanha os tempos. Começa com um simples “Beba Coca Cola”, que vai de 1886 a 1892, e continua com uma série de orientações a cerca do valor do produto. Em 1900 é o “tônico cerebral ideal”. Ano após anos segue os apelos baseados nos alegados encantos, refrescante, delicioso, revigorante, até que em 1982 vem a revelação “coca cola é isso aí”.



            Acompanhando a maré vitoriosa da economia de mercado e as previsões do fim da história, o produto se torna bíblico e sua apresentação revela uma pujante pretensão ufanista. É o absoluto a mercadoria não se envergonha mais do seu caráter. Seu fetiche se tornou desnecessário. A etiqueta não habita somente o interior da bolsa o verso da camiseta. Sua natureza se espalhou por toda a superfície visível, a mercadoria é um valor em si.




            De todos os apelos de produtos essa é a frase que fica em minha memória. Sua devastadora força marca a rendição das utopias. Talvez não tenha do que me queixar afinal, a coca cola vai orientando meu caminho, já que a inefável entidade divina e o misterioso cotidiano necessitam de uma figuração. Sabemos escrever nossa história a somente 4 mil anos, então como viver sem bezerros de ouro?

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A BELEZA DA LÍNGUA ITALIANA


            A aproximadamente um mês iniciei de forma intensa meus estudos da língua italiana. Estou fascinada por sua suavidade, beleza, harmonia, doçura e romantismo. Fui pesquisar sobre suas origens e vi que a Europa tinha uma mistura de vários dialetos originários do latim, que ao longo dos séculos se transformaram nos idiomas francês, português, espanhol, italiano. Francês, português e espanhol são evoluções das cidades mais importantes de suas regiões (Paris, Lisboa e Madri).



            Na Itália foi diferente, isso porque eles nem se constituíam um país só vieram a se unificar em (1861) e, até então, era uma Península de Cidades Estado em guerra entre si, governada por príncipes locais. O povo era dominado pela França, Espanha e a Igreja Católica. Isso pode explicar o fato que durante séculos se falasse dialetos locais incompreensíveis a outras regiões.



            No século XVI um grupo de intelectuais italianos escolheram o dialeto mais bonito e o batizaram de italiano, para isso, foram até Florença no século XIV, a língua usada pelo grande poeta Dante Alighieri. Em 1321 ao publicar A Divina Comédia numa saga por inferno, purgatório e paraíso,  Dante havia chocado o mundo letrado ao não escrever em latim. Seu idioma era o das ruas como seus contemporâneos: Boccaccio e Petrarca. Ele chamava sua obra de o doce novo estilo do vernáculo.




            O idioma que se fala na Itália e que estou fascinada é basicamente o de Dante, adoro essa história porque acredito que nenhum outro idioma tem um linhagem tão artística e talvez tenha sido forjado para expressar os sentimentos humanos. Adoro seu falar cadenciado, fluídico, parece água transbordante, cada palavra me soa como um buquê de flores. Nada mais belo do que l’amor che move Il sole (o amor que move o sol), beleza e poesia em cada palavra.

terça-feira, 1 de abril de 2014

LA DOLCE VITA, O MELHOR DE FELLINI


            Vi La Dolce Vita de Fellini à uns dez anos, resolvi rever agora para escrever essa resenha aqui para o blog. o filme foi rodado em 1959, na Via Veneto, a rua romana das casas noturnas dos cafés e da badalação. Seu herói Marcello é um colunista de fofocas, que escreve crônicas sobre “a doce vida” de decadentes aristocratas, estrelas de segunda categoria, envelhecidos playboys e mulheres de comércio. O papel foi interpretado por Marcello Mastroianni, para mim seu papel mais representativo de um homem que caia na armadilha de uma vida de noites vazias e madrugadas solitárias.


            O filme transita de uma extravagância visual para outra, acompanhando Marcello enquanto ele caça histórias e mulheres. Ele tem uma noiva suicida em casa. Numa casa noturna, encontra uma promíscua socialite, e juntos visitam o covil de uma prostituta. O episódio não termina em degeneração, mas em sono.


            Outra madrugada. E foi ai que comecei a entender a estrutura do filme: uma sessão de madrugadas de idas e vindas. Marcello se enfia em casas noturnas subterrâneas, em estacionamentos de hospitais, em bordeis e numa antiga catacumba. E sobe no domo da igreja de São Pedro. As cenas de abertura na qual uma estatua de Cristo é transportada por Roma, casam o sagrado e o profano, recheando-as com dúvidas.


            Uma das primeiras sequencias mostra Marcello cobrindo a chegada em Roma de uma saudável mulher que é uma provável estrela de cinema (Anita Ekberg). A perseguição termina de madrugada quando ela entra na Fontana de Trevi, e ele vai atrás, idealizando nela todas as mulheres. A mulher. Ela permanece para sempre fora de alcance.


            O filme foi realizado com uma coragem ilimitada. Fellini parou aqui, no ponto divisor entre o neo realismo dos seus filmes anteriores e o carnaval visual dos seus extravagantes filmes. A trilha sonora é uma ajustada e perfeita composição para o filme. A formação do elenco é cheia de estereótipos, Anita Ekberg talvez não fosse uma grande atriz mas talvez a única capaz de se auto representar.



            Quando vi o filme a primeira vez imaginava que a “doce vida” representava o pecado, o glamour europeu, o enfadonho romance do cínico jornalista. Revendo agora tenho pena de Marcello, das sua noites vazias, da sua solidão. Talvez o que ele chama de “doce vida” não exista, mas é preciso descobrir cada um por conta própria.

domingo, 30 de março de 2014

BOTTICELI: AS MAIS BELAS PINTURAS DO RENASCIMENTO


Sandro Botticeli viveu na Florença da segunda metade dos anos 1400, período de intensa produção artística e efervescência cultural conhecido como Renascimento Europeu. Sua obra mesmo depois de todo esse tempo é capaz de causar inquietações e estranhamentos próprios da grande arte. Ver seu quadros é entender que ele queria por em prática uma filosofia realista, uma construção do belo fora do tempo e da história. Essa ideia do belo influenciou nossos mais profundos cânones do que seja a beleza ou mesmo uma imagem agradável.


Sua produção visa a contemplação, pela contemplação, livre de quaisquer aspectos mundanos. Sua pintura é feita de ritmos lineares que criam um movimento interno no quadro, quase um contínuo retorno que impede a imagem de fixar-se numa forma concreta, consistente situada num espaço construído. Ele era um artística fascinado pelas ideias e indiferente ao sucesso, sua arte é elevada e está a altura de seus contemporâneos.


É o tipo de artista irresistível, que exprimia os valores táteis fora de quase todas as referências do corpo. Seu quadro A Primavera, mostra a mistura entre o amor platônico e a obra de transcendência dantesca. Trata-se de uma unidade profunda entre poesia, filosofia, teologia e psicologia; o quadro é uma das visões mais sublimente evocativas, associativas, alusivas e profundas do Renascimento, quiçá da arte da poesia e da imaginação.


No quadro O Nascimento de Vênus, ele consegue na figura maleável e alongada de Vênus, o ápice da procura de uma beleza ideal e de uma perfeição formal coerente com os ideias neoplatônicos. A jovem recupera o protótipo da Vênus pudica, com a mão direita ao seio e a esquerda cobrindo a virilha, com os longos cabelos loiros e reluzentes como ouro como muitas áreas da pintura, em um efeito semelhante aos dos preciosos afrescos sistinos.



Botticeli completa um passo fundamental, em direção a formação do artista moderno, dado que com sua arte ele professa com certa ênfase aquilo que corresponde as suas convicções, à sua consciência e a sua esperança, por essa razão merece ser visto e discutido.