quarta-feira, 6 de novembro de 2013

ZÉ CARIOCA LEVA DONALD A BAHIA





            Algumas máximas que constroem a ideia de Brasil, de seus hábitos, costumes e características, foram construídas socialmente, um dos responsáveis por essa construção foram os filmes, em especial o filme Você já foi a Bahia? De Walt Disney de 1944 que trazia o icônico personagem Zé Carioca, criado quando Disney fez uma turnê pela américa latina como resultado do esforço estadunidense, para reunir aliados durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).


            A viagem foi realizada em 1941 e tinha como pretexto, demarcar a solidariedade entre as Américas, conhecer as músicas, danças e talvez um companheiro para os personagens Mickey e Pato Donald. Na verdade Disney tinha interesse em divulgar sua própria imagem e seus estúdios em outros locais do mundo. Contribuindo assim, para a divulgação do seu trabalho e de suas ideias. Zé Carioca foi criado por Walt Disney, no Rio de Janeiro no Copacabana Palace.


            O filme inicia-se no aniversário do Pato Donald e ele recebe uma caixa de presentes dizendo ser dos seus amigos da América Latina, agradecendo sua visita. Na caixa tem um projetor de cinema que mostra aves raras da região amazônica brasileira, depois dessa apresentação a caixa começa a vibrar e do livro sai o Zé Carioca tocando e sambando e perguntando ao Pato Donald Você já foi há Bahia? O interessante é que a apresentação da Bahia se dá de forma precipitada anunciando que tem vatapá, caruru e mungunzá, se você gosta de samba então vamos lá. Os dois entram num trem e sob o som de uma música contagiante chegam a Bahia.


            A cena mais irresistível é quando uma jovem baiana, protagonizada por Aurora Miranda, já que na época, Carmen Miranda estava contratada pela FOX, canta e encanta, interpretando uma vendedora de quindins, cantando a música de Ari Barroso, Os Quindins de Ya Ya. Donald se apaixona pela baiana, ganha um beijo dela e todos entram no samba. Nesse mundo colorido e fantástico, não tem negros nem pobreza, tudo é exótico, mágico e vibrante.


            Após a viagem a Bahia, Donald e Zé Carioca vão ao México e lá encontram o Galo Panchito, que mostra as belezas e a diversidade natural de sua terra. Esse foi o primeiro filme da Disney em que humanos e desenhos. O personagem mais caricato e que contribui com a construção da ideia do malandro brasileiro é o Zé Carioca, começando pela sua indumentária que é: paletó, gravata, borboleta, chapéu panamá, charuto e guarda chuva. É o malandro tipo exportação, e o primeiro da novelística brasileira, que conduz o estrangeiro numa viagem fantasiosa para uma terra imaginária, onde será centrada as bases para a influência cultural e política dos EUA na América Latina.


            Um filme que vale a pena ser visto e discutido, seja pela magistral trilha sonora, pela impecável atuação de Aurora Miranda, pelas cores que pintaram o Brasil, por um Pato Donald que se mostrava adorável. Nunca me diverti tanto com uma animação da Disney a combinação animação com live action tem qualidade superior se considerarmos que estamos em 1944. Clássico atemporal, que supera as histórias ideológicas criadas em torno da obra.
           
            

terça-feira, 5 de novembro de 2013

A INTIMIDADE DE ANA KARENINA DE LIEV TOSTÓI



            Li e reli Ana Karenina de Liev Tostói a algum tempo. Tenho uma edição da editora Cosac e Naif com tradução direto do Russo. Quando gosto de um livro, sempre faço isso, recorro a ele como a um bom amigo para ler de novo e ser feliz mais uma vez. Trata-se de uma grande obra, com temas caros a natureza humana como: ciúme, fé, fidelidade, família, casamento, sociedade, progresso, desejo carnal. Há uma retratação íntima dos personagens, indo do equilíbrio, até o descontrole emocional.


            Liev Tostói é um dos principais escritores russos, e autor de uma das principais obras literárias de todos os tempos: Guerra e Paz, que fala das Guerras Napoleônicas e traça um perfil da sociedade russa no século 19. De família abastada recebeu educação formal, ligado a centros de ensino para a classe superior. Ao procurar a vida no campo, se casa tem nove filhos e acredita que o objetivo da existência é viver na família e buscar a Deus, seu ideal de felicidade.


            Ana Karenina se passa na Rússia Czarista e tem uma trama centrada na família e nas suas mais entremeadas relações, o romance começa com uma crise quando Dolly descobre  a infidelidade de Oblisky irmão de Ana e esta é chamada para interceder a seu favor. Ana que mora em São Petersburgo e é casada com um oficial do governo Karenin, viaja, até Moscou para interceder a favor do irmao. Dolly e Oblisky se reconciliam não por amor, mas por comodidade, centrado em leis que regem a sociedade russa.


            Quando chega a Moscou para resolver a crise conjugal do irmão, Anna, conhece um certo tenente Vronsky que se torna fascinado pelo seu espírito e vitalidade. Oblisky, encontra seu amigo Levin, dono de terras que destina seu pensamento a agricultura, este se interessa pela cunhada de Oblisky, Kitty, mas a jovem de dezoito anos espera um pedido formal de Vronsky, rejeitando as declarações de Oblisky. Numa noite de um baile Kitty percebe que Vronsky ao dançar com Ana, está completamente apaixonado por ela, sua desilusão amorosa, se manifesta em sintomas físicos, vindo esta a se internada pela família numa estação de águas na Alemanha. Levin a visita, Kitty sugere que ele a proponha casamento novamente, ele o faz, e os dois começam a planejar o casamento.


            De volta a São Petersburgo, Anna começa a circular em ambientes que favoreçam seu encontro com Vronsky. O comportamento de ambos atinge o domínio do socialmente inaceitável e o caso passa a ser rapidamente conhecido de toda a Cidade. Karenin, marido de Anna, sofre a humilhação pública e a estagnação de uma carreira. Anna e Vronsky são postos a margem da sociedade, especialmente Anna. Aqui Tostói aborda a hipocrisia da sociedade russa em que homens e mulheres viviam casos extra conjugais, em que o homem continuava sendo recebido nos centros aristocráticos e a mulher é excluída do seu centro de convívio. Anna representa a crítica mais feroz aos subterfúgios usados pela considerada boa sociedade russa, por isso, eles a escondem, porque é uma forma de esconder a si mesmos.


            Anna Karenina é constantemente incluído pelos críticos como um romance psicológico, com uso constante do monologo interior pelos personagens. Um outro ponto interessante é a descrição de casamentos sem amor e sem esperança, centrados apenas, para manter as aparências. O livro como um todo, aponta as forças que o indivíduo se sustenta para enfrentar os desafios.


            É um romance extremamente crítico aos padrões sociais da época, em que personagens estão dispostos a viver, amar e buscar o amor centrados apenas em suas verdades pessoais. Essa obra é um dos grandes clássicos da literatura que são atemporais, e que nos leva para a inevitável que o que existe de mais envolvente no mundo, são as relações interpessoais, dentro do mundo que criamos, escolhemos, ou somos obrigados a viver.


            Romance de lugar destacado em minha estante, merece ser lido, e tido como um dos melhores livros já produzidos pelo gênio da humanidade.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O CHARME DA MÚSICA FRANCESA



            Sempre considerei a música como um dos mais importantes elementos capazes de nos humanizar, ela é essencial na vida das pessoas, podendo nos acalmar quando estamos ansiosos, nos animar quando estamos precisando, e claro, nos fazer dançar. Além de nos remeter diretamente a situações que lembram aquela música que estávamos ouvindo na época.



            Estudo a língua francesa a muitos anos, daí naturalmente veio o meu interesse pela música francesa. Sendo considerada um centro europeu para as artes e  para a música, a França produziu grandes compositores e intérpretes e as melhores canções da nossa contemporaneidade, que vão desde o Hino do país, A Marselha, passando pela indefectível Ne me quitte pas, do compositor Jacques Brel, a primeira música francesa que gostei e que acredito ser responsável por meu aprofundamento na música desse país.



            Tenho algumas preferências especiais vou descreve-las usando a hierarquia de execução na minha play list. Primeiro e grande cantor e compositor francês que considero, Charles Aznavour (1924- ), de origem armênia, é um dos mais importantes cantores franceses, e um dos cantores mais conhecidos do mundo, sua voz é sombreada, tendendo ao tenor e encantadora e me lembra uma época que já passou, ouvindo suas músicas me sinto em salões dos anos 1960, a canção La boheme  fala de um tempo que é preciso que os muito jovens não podem saber em que Montmarte era realmente o berço da boemia, e mesmo sem dinheiro era possível ser feliz.



            Outra grande notável que é a cara da França, da sua cultura, das suas ruas é a Edith Piaf (1915-1963), cantora que começou na rua, mas, com inigualável talento, foi a maior representante da música de seu país. Teve uma vida marcada por tragédias, com a morte da filha e do namorado, além de uma saúde frágil. Suas músicas mais representativas são: Mon diue, Milord, Mon Legionaire, Je ne Reegrette rien e La vie rose que  fala de amor, da amante que quando está nos braços do amado vê a vida cor de rosa e tem a vida tocada por imensurável felicidade. São as grandes e atemporais chansons.



            Uma outra cantora, de origem grega que morou e teve grande sucesso em Paris foi a lírica Maria Callas (1923-1977), sua interpretação de Carmen do compositor francês George Bizet é memorável. Trata-se de uma ópera em quatro anos em que uma cigana espanhola usa seus talentos de dança e canto para seduzir vários homens. A música que não consigo parar de ouvir é Habanera, que fala que o amor é um pássaro rebelde impossível de ser aprisionado, que é o período da infância da boemia, impossível de ser regido por lei, que é um sentimento que quando vêm é impossível de ser evitado.



            Jacques Brel (1929-1978)- de origem belga, é um poeta vocal de grande quilatação, viveu a maior parte de sua vida em Paris, autor de belos textos capazes de se sustentar tanto na voz, quanto na música. É considero como um dos responsáveis por manter a poesia oral e cantada, no mundo ocidental. Suas canções foram traduzidas e cantadas por vários cantores de renome como Ray Charles, Frank Sinatra e Kurt Cobain. Sua canção mais conhecida e que para mim, não está esvaziada nem envelhecida é Ne me quitte pas, sinto sua grande força lírica como podemos ver nos versos de deixe que eu me torne/ A sombra de sua sombra/ A sombra da sua mão/ A sombra do seu cão, em uma gradação que busca mimetizar o desejo de penitência do amante. Brel é um presente aos sentidos e ao convite a boa música atemporal.



            Compilação da Putamayo (PARIS)- muito antes da World Music se tornar banalizada, o selo Putamayo já produzia compilações de qualidade, fundada pelo sociólogo americano Dan Storper em 1993, virou símbolo de boa música. Essa compilação Paris, foi lançada em 2006 e reúnem nomes da nova cena Nouvelle Scene, as músicas nos remetem a um clima harmonioso, com vozes como a doçura juvenil de Coralie Clément e o timbre marcante de Thomas Fersen apresentado logo no primeiro título Au Café de la Paix. Destaques para as faixas: Samba de Mon Coeur Qui Bat, je reste au Lit do Pascal Parisot, notável interprete que nos brinda com uma brasilidade inconfundível em conjunto com criativos efeitos eletrônicos, Jardin d'Hiver da Keren Ann, de origem Israelense-indonésia-neerlandesa, que regravou competentemente este clássico do saudoso Henri Salvador. Música de qualidade que só não dou nota dez para o disco porque só tem 12 faixas, para quem não gosta de música antiga, essa é uma pedida mais moderna imperdível.



            Carla Bruni (1967-) foi um daqueles achados felizes, fora a aura de celebridade em torno dela, sua rouquidão sensual que apresenta em seu disco de estréia Quelqu'un m'a Dit de 2003 é de uma beleza capaz de encantar com seu estilo meio folk de guitarra acústica nos remete a artistas mais aquilatados como Bob Dilan. É o estilo eletro-americano, mais o frescor é francês, sua voz é clássica e suas músicas trazem um lirismo jovial, em que o amor é prerrogativa para ser feliz, música das boas para ser ouvida a qualquer tempo. 

sábado, 2 de novembro de 2013

PARA O GRANDE DARCY RIBEIRO




            Compreender o Brasil, passa pelo conhecimento de grandes nomes que defenderam de forma intransigente, os interesses do país, falo aqui, do mineiro Darcy Ribeiro, mas, representante de todo o país. Figura emblemática, polêmica, defendeu de forma veemente durante toda a sua vida duas bandeiras: a educação brasileira e o direito dos índios, daí o caráter humanista de sua pessoa. Ajudou a  criar o Parque do Xingu, o Museu do Índio e a Universidade de Brasília.


            Sua formação de antropólogo e sociólogo, lhe deram uma visão acurada das questões nacionais. Viveu temporadas entre os indígenas, e dessa experiência deu origem a envolvente obra Diários Índios: os Urubu Kaapor. A leitura dessa obra tem a capacidade mágica de nos fazer viajar com Darcy para as florestas do Maranhão, nos anos 1950 onde viviam esses povos. É a construção de um cotidiano que nos causa estranhamento diante da minúcia da descrição dos hábitos e costumes de uma cultura diferente da nossa.


            As vezes me faço um questionamento o que teria levado esse homem tão jovem, de apenas 27 anos a se embrenhar na solidão das florestas tropicais? Dos diários o que li foi a obra citada acima, esta apresenta uma leitura leve, é despretensioso, coloquial, possibilita uma agradável leitura. Penso na descrição dos Urubu Kaappor e vejo que se trata de um dos melhores estudos antropológicos brasileiros.


            O que me seduz em seu pensamento e em sua obra, é que com ele a palavra “selvagem” assume uma nova conotação, livre do peso, pejorativo usado por outros autores, aqui eles são os “moradores da floresta”, prova de sua relação respeitosa com esses povos. Darcy tem a garra, com um misto de romantismo dos utópicos, vejo isso, quando dedicou seus últimos dias a consolidar o projeto de fixar os “verdadeiros donos da terra" à Floresta Amazônica, isso fica explícito em sua próprias palavras :
“Dediquei a vida aos índios, à minha paixão por eles e também à escola pública. Minha vida é feita de projetos impessoais para passar o Brasil a limpo, porque o Brasil é máquina de gastar gente. Gastou seis milhões de índios e o equivalente de negros. Para eles? Não! Para adoçar a boca do europeu com acúcar, para enriquecer uns poucos. O povo foi gasto como carvão neste país bruto”.