domingo, 29 de dezembro de 2013

CARTIER: A DESLUMBRÂNCIA DO LUXO



            Vi em um canal da TV Francesa que estaria acontecendo uma exposição no Grand Palais em Paris com as joias consideradas clássicas da Casa Cartier, daí olhando fotos da exposição pensei o que é apresentado pode ser considerado arte? Já que a maioria de suas joias foram produzidas sob encomendas para as pessoas mais ricas e influentes do planeta. Pois é, já adianto que sim, as considero como art já que a mais de 7 mil anos a joalheria acompanha o progresso e as transformações culturais e religiosas da história do homem, que sempre buscou produzir objetos para se enfeitar e seduzir, satisfazer desejos, construir uma arte e significados dentro do seu tempo.



            As peças da Casa Cartier foram criadas com a função de ornar e satisfazer a vaidade. Assim como a arte, a joia está sujeita a releitura, criação e interpretação, pois possui, elementos visuais como forma, linha, cor e volume. Cartier se encontra no mercado a mais de 170 anos, e está relacionada ao luxo, que pode ser entendido como um elemento raro, precioso, desejável e na maioria das vezes caro e supérfluo, tem uma dimensão muito maior do que dinheiro, pois é anterior a existência a esse meio de troca. Saciar-se em banquetes abundantes de carnes e cobrir-se com a pele do animal mais selvagem, poderia ser considerado luxo em tempos primitivos.



            No consumo de luxo estão relacionados elementos como capital cultural, e capital simbólico, quem não tem nenhuma noção em relação a arte, por exemplo, não sabe apreciar nem compreender o valor de uma obra de arte comprada com um enorme capital econômico e ostentada em casa para demonstrar a detenção de um prestigiado capital simbólico. É como se o capital simbólico fosse composto de capital cultural e econômico ao mesmo tempo.



            A marca francesa Cartier é a mais antiga joalheria em atividade no mundo fundada por Louis François Cartier estabeleceu seu modesto negócio de joias em Paris em 1847. Com uma produção de joias elaboradas e extremamente caras, a marca começou a chamar atenção de membros das cortes reais. Em fins do século XIX a marca se rende a burguesia, como pessoas da família Rothschild (banqueiros que aconselhavam reis e governantes). Em 1902, com a coroação do Rei da Inglaterra Eduardo VII diversas famílias encomendaram seus diademas a Cartier e o próprio disse: Cartier: Joalheiro dos reis, rei dos joalheiros.



            No período das Guerras Mundiais a marca sobreviveu a custas da loja americana, conseguindo manter sua aura de distinção. Embora se aproximando mais de um caráter industrial e produzindo peças mais baratas como relogios de pulso. Nos anos 1960 a marca se associa a moda e cria produtos considerados mais úteis como isqueiros e cintos. Os clientes na modernidade mudaram de aristocracia, para quem brilha no cinema, e passa a ter a cara de Grace Kelly que usou um colar da marca em seu casamento com o principe de Mônaco.  A marca desde então não saiu da mídia e da massificação como o diamante da atriz Liz Taylor. E hoje as celebridades do cinema e da música.



            Ao contar pelo número de informações dadas ao luxo na mídia de modo geral, é uma válvula de escape tão indispensável à atividade humana quanto o repouso, a atividade esportiva, o amor e a oração. Quem não pode tê-lo, continua a ambicioná-lo e encontra alternativas para satisfazer esse desejo: seja através do mercado paralelo da falsificação, seja alugando por um dia jóias, vestidos e bolsas de marcas conhecidas em sites especializados.



            A grife Cartier, em sua trajetória sempre compreendeu os anseios sociais (ou habitus, se preferirmos) com relação ao luxo e age em duas vertentes, dando conta de suas principais manifestações (expressão de riqueza e satisfação de desejos). Na sociedade contemporânea, onde "parecer" é quase sinônimo de "ser", deve ser por isso o alto índice de público na exposição sobre a marca que chega também ao Brasil e de imitações de sua produção. As jóias são íconicas, mas o que se produz hoje apresenta sobretudo um caráter industrial e comercial, muito diferente das peças artesanais e artísticas elaboradas lá no século XIX.

sábado, 28 de dezembro de 2013

COMIDA COMO OBRA DE ARTE: A Nouvelle Cuisine Française



            Vendo fotos, lendo, experimentando pratos vejo que os cozinheiros sempre foram artistas, já que a cozinha é uma arte do tempo: tempo de preparo, duração dos cozimentos, cores e formas desenvolvidas de maneira tridimensional. Ela utiliza materiais e os manipula como suas irmãs ricas a arquitetura, a pintura e a escultura.



            Todas as operações realizadas na cozinha modificam significativamente a matéria, seja pelo tempo, pela textura, pela cor ou pela luz. Numa criação culinária os cinco sentidos são exigidos através do perfume, consistência, sabor, impressão visual e seus aspectos internos ou externos.



            O termo Nouvelle Cuisine foi criado em 1972 por jornalistas franceses especializados em gastronomia, era representado por um grupo de Chefes de talento formado pelos irmãos Troisgros, Paul Bocuse e Michel Gérard que, desde o início dos anos 1960, tinham entrado em conflito com a tradição da Haute Cuisine Française. O momento mais importante da produção não era mais a perfeita aplicação das regras, mas, a criatividade, a capacidade de inventar novas sensações, como frutas com carnes e peixes e sabores agridoces.



            Em contradição a cozinha clássica, a nouvelle Cuisine se afirma através do respeito a simplicidade dos sabores, a exaltação dos gostos e das cores originais dos alimentos utilizados, se valorizando sobretudo, a identidade sensorial dos alimentos. Esse novo jeito de cozinhar está relacionado a arte na medida em que reserva uma atenção a apresentação da comida, pelo detalhe, refinamento que apresentam os pratos como arte visual.



            O estilo é minimalista, as porções são pequenas e lembra o mundo das comidas japonesas. Os pratos são leves e delicados, o objetivo maior é a máxima satisfação de prazer pelos estímulos dos sentidos. Vale conhecer e principalmente experimentar: Bon a petit.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA



            Na Cidade em que moro, a prefeita foi afastada do cargo pela justiça 12 vezes por conduta vedada pela lei no período das eleições, o ambiente social divide opiniões que quase sempre são inflamadas por paixões antagônicas em que cada um a sua maneira, defende seus próprios interesses, ninguém pensa na coletividade propriamente dita. Passeando pela estante de livros que tenho, vi Triste Fim de Policarpo Quaresma, que li na adolescência e resolvi rever agora para tirar algumas observações sobre o impasse do mundo político e social.



            Lima Barreto não conheceu notoriedade em vida. Foi preciso que o tempo lhe fizesse justiça. Triste Fim de Policarpo Quaresma sua obra mais famosa, se consolidou como um clássico, porque nasceu de um lance de gênero e traduziu os impasses do Brasil do seu tempo. No romance, o major Policarpo Quaresma, vive de idealismos nacionalistas. A primeira parte o retrata como um nacionalista que vive em seu gabinete cercado de livros, alimentando uma imagem distorcida do país; a segunda parte, como um proprietário de terras que percebe que as saúvas são arrasadoras para a plantação. A terceira, como voluntário na Revolta da Armada, que é preso após criticar o Marechal Floriano Peixoto, a quem idealizava.



            Quando Quaresma se dá conta da própria postura quixotesca está prestes a ser executado pelo exército. Quaresma queria basicamente três reformas: da cultura, da agricultura e da política, quanto a isso, ele continua mais atual do que nunca. Seu sonho mais singular foi de oficializar o tupi-guarani como idioma brasileiro. Certas desventuras e encantos do protagonista, poderiam ser vistas como do próprio autor, mas seu brilhantismo nesse romance passa ao longe da autobiografia.





            Lima Barreto carregou preconceitos ao longo da vida, filho de mestiços ficou órfão de mãe aos 7 anos e mais trade viu o pai enlouquecer; tendo de amparar a família, não conseguiu terminar o curso na Escola Politécnica. Enfrentou depressão e alcoolismo e foi internado duas vezes no Hospício Nacional. Ele foi sobretudo, um intelectual combativo que, também marginalizado no meio literário, expressava as contradições de uma sociedade que ainda vivia a transição da Monarquia para a República. O que mais gosto da leitura desse livro é sua ironia sarcástica do momento histórico que retrata.



            Triste Fim de Policarpo Quaresma se insere no Pré-Modernismo brasileiro pela forma e temas que desenvolve. A rejeição de Barreto ao eruditismo e ao rebuscamento estilístico se explica como uma postura de oposição a chamada elite literária; com isso, seu coloquialismo antecipava características modernistas. Livro indiscutível para repensar os interesses coletivos de uma sociedade.  

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

CALLADO: O PAI DO CHORINHO NACIONAL



            Quando escuto chorinho, não tem como não ser reportada a uma ideia de uma música genuinamente nacional, apesar de muitos considerar como música de natureza mais folclórica, é inegável sua leveza, alegria e musicalidade transbordante. Foi com o chorinho que o Brasil descobriu o seu som. O flautista e compositor carioca Joaquim Callado (1848-80), foi uma figura fundamental nesse cenário musical. Considerado o pai do choro e autor de mais de 600 canções.


            Em 1876, Machado de Assis fez um elogio rasgado a Callado em sua coluna quinzenal na revista Ilustração Brasileira. Machado diz não levara a sério muitos deles, mas a respeito de Callado diz: foram convidar um lacedemônio a ouvir um homem que imitava com a boca o canto do rouxinol. Eu já ouvi o rouxinol respondeu ele. A mim quando me falarem de um homem que tocava flauta com as próprias mãos eu respondi: eu já ouvi o Callado.


            Além de tocar divinamente Callado compunha músicas com uma batida diferente, sincopada, que daria origem ao choro. É bom lembrar no entanto, que na época de Callado o choro era mais uma maneira de tocar do que propriamente um estilo musical. Ainda não havia uma música popular brasileira consolidada. Ouvia-se o lundu de origem africana e estilos como a polca e a mazurca, músicas de salão europeias. A polca parece ter sido a mais contagiante, porque oferecia a oportunidade de pela primeira vez dançar juntinho. A formalidade da valsa e outras danças de salão começava a ficar para trás.


            Essa nova música que nascia sob a flauta de Callado, viria a se tornar a coroa do Brasil. Callado e sua música eram discriminados pelos grandes salões, porque ouvir o erudito era considerado chique. Ele foi criativo, acima de tudo e teve a coragem de arriscar num ambiente impregnado de referências europeias. A partir daí a síncopa passou a ser característica da música popular brasileira, era a hora e a vez do novo som, e da formação da identidade musical brasileira, com notável contribuição de Joaquim Callado.