domingo, 8 de dezembro de 2013

SOBRE A VIDA



A angustia de comprovar por meios racionais se existe vida após a morte acompanha a humanidade desde os seus primórdios. Imaginar que nos transformaremos em pó e que capacidades cognitivas adquiridas com tanto sacrifício se perderão irreversivelmente é a mais dolorosa das especulações existenciais, principalmente quando se vivencia uma doença grave como o câncer.


Tamanho interesse no destino posterior a morte, contrasta com a falta de curiosidade em saber de onde viemos. O que erámos antes do espermatozoide se encontrar no momento da concepção? Aceitamos com naturalidade o inexistir antes desse fato, mas temos dificuldade em admitir a volta a mesma condição do caminho.


Consideramos a vida uma dádiva da natureza, e nosso corpo uma entidade construída exclusivamente para nos trazer felicidade, atender aos nossos caprichos e nos proporcionar prazer. Essa visão egocêntrica mostra que somos seres exigentes, revoltados, queixosos, permanentemente insatisfeitos com os limites impostos pelo corpo e com as imperfeições inerentes à condição humana. Acordamos todas as manhas com a sensação de plenitude, e de funcionamento harmonioso do organismo que o desconforto físico mas insignificante, a mais banal contrariedade são suficientes para nos causar amargura e crises de irritação.


            As sensações de felicidade, ao contrário, geralmente são fugazes, o aparecimento de uma doença grave, eventualmente letal, tem o condão de desestruturar personalidades, causar desespero, destruir esperanças, inviabilizar qualquer alegria futura. Mas comigo não foi isso que aconteceu, vencida a revolta do primeiro choque e as aflições iniciais, associadas ao medo do desconhecido tenho conseguido reagir e descoberto prazeres insuspeitáveis na rotina diária. Laços afetivos que de outra forma não seriam identificados ou renovados,  serenidade para enfrentar os contratempos e busca de sabedoria para enfrentar aquilo que não pode ser mudado.


            Quando entendi que podia morrer pensei: não tem cabimento desperdiçar o resto da vida, viverei assim: se alguma coisa me desagrada procuro avaliar qual a importância que ela tem para o universo. Descobri que é possível ser feliz até quando estou triste, e quanto a isso, não tenho medo de me enredar em clichês ou na vala comum das vãs filosofias. 

sábado, 7 de dezembro de 2013

A ESTREITA RELAÇÃO ENTRE COMIDA E FELICIDADE





            A gastronomia nos ensinou que o ato de se alimentar é mais do que nutrir o corpo, foi a partir desse fundamento que começaram a ser cultivado os banquetes, para deleite dos prazeres o que iria além do simples ato de alimentação. Vetel possível inventor do creme Chantilly quis morrer por causa da gastronomia. O príncipe de Condé o encarregou de preparar uma festa para 3000 comensais em homenagem a Luiz XIV. Quando Vetel descobriu que os peixes para o almoço não chegariam a tempo preferiu a morte a servir um jantar ao rei sem peixes em uma época do ano que os cristãos não comiam carne.


            Carême escreveu sua explicação para o surgimento da grande cozinha relacionando que a apresentação dos pratos era tão importante quanto o seu sabor. O creme com Chantilly, por exemplo, foi criado a pedido de Napoleão Bonaparte para lembrar a honra e o sangue dos seus soldados sobre a neve russa. Na verdade quando a Europa começa a se tornar refinada nas maneiras e no desejo e  a cultivar o exotismo, lá pelo século XIX é que se começa o consumo de chocolates e cafés e a criação de locais próprios e rituais para isso.


            É desse período a ideia de como sentir da melhor forma possível o gosto dos alimentos e de considerar a gastronomia como o fim de todas as coisas humanas, dando ênfase aos sentidos, pois estes seriam tão importantes a ponto de nos diferenciar de estatuas de mármore. O gosto para os gastrônomos desse período, seria o mais importante dos sentidos, pois através dele tomamos conhecimento da realidade. Esse gosto seria excitado pelo apetite, pela fome e pela sede.


            Sendo assim, quando  inicia a capacidade cultural de se alimentar superando meramente a natural de satisfação das necessidades biológicas? Inicia-se com o surgimento da arte de se alimentar, embora nem todos estejam aptos de retirar do alimento todo o prazer que dele pode decorrer, porque a sensação de prazer só é conseguida se for incorporada a reflexão do espírito. Além da questão do tempo na degustação do prato, pois os que comem depressa não conseguem classificar por ordem de excelência as diversas substâncias submetidas ao seu exame.



            A sensação de felicidade à mesa se dá somente de forma refletida, e portanto, com a intervenção do tempo e da contemplação, que passamos do ato animal de nos alimentar para o ato propriamente humano de comer. Além de ser o homem o único ser capaz de domesticar seu alimento, de alterar a sua natureza, de modo a produzir novos sabores e se satisfazer com eles. Comer tem no homem uma função, sobretudo, civilizadora. E a gastronomia surge exatamente quando o homem busca satisfazer esses sabores complexos.


            O que é considerado então para que se tenha uma boa mesa? Comida ao menos passável; bom vinho; comensais agradáveis e tempo suficiente.  Eu particularmente acredito que o segredo da gastronomia é um só, o caminho para que o homem possa ser feliz comendo. 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

CEM ANOS DE SOLIDÃO DE GABRIEL GARCIA MARQUEZ



Fui apresentada a essa joia literária por um antigo amigo, e desde o começo percebi que o livro era tão bem elaborado, de uma riqueza tão imensa que dessa vez fiz diferente, li aos poucos para que durasse em minha vida livresca essa tão incrível história. Marquez narra a incrível e triste história dos Buendía a quem não é dada uma segunda oportunidade sobre a terra. Mas, na verdade eu entendo o livro como uma autêntica enciclopédia do imaginário, e jamais deixei de associar os Buendía a centenária casa de minha família.


Não irei montar esse meu entendimento com um resumo das minhas próprias palavras, acredito que por menor que fosse seria um sacrilégio, mas para que vocês leitores se orientem ele conta a história dos Buendía os fundadores da fictícia cidade colombiana de Macondo, passando por sua criação, anos de glória até o seu derradeiro esquecimento. Acho que é o romance que mais identifica a América Latina com ela mesma, além do que, enxergo nos Buendía traços de  minha própria família e vejo em Macondo elementos da cidade que moro a anos. Garcia Marquez cria com seu micro mundo uma verdadeira obra universal, contada por meio de coisas surreais.


No decorrer da narrativa somos apresentados a todos os Arcadios, Amarantes e Úrsulas todos da família Buendía, personagens singulares, mas que levam a fama de ter sempre um nome de um antepassado. O primeiro deles é José Arcádio Buendía que é uma mistura de louco com visionário e patriarca dessa família condenada a solidão. É ele que funda a cidade de Macondo e é casado com Úrsula Iguarán que viveu cerca de 122 anos, quando lembro da passagem em que ela envelhece e é esquecida como uma coisa qualquer, não deixo nunca de lembrar das minhas tias com mais de 90 anos que também sofreram esse mesmo esquecimento por parte da família.


José Arcádio Buendía e Úrsula têm três filhos, Amaranta, José Arcádio e Aureliano. Nenhum deles conseguirá ter uma felicidade plena no amor. São todos apaixonados e impulsivos mas acabam sempre sozinhos em seus desígnios. Tem também personagens secundários como Pilar Ternura que acaba se tornando concubina do irmão Buendía e o cigano Melquiades que vive a volta com sua família e é capaz de ressuscitar várias vezes é ele que escreve os pergaminhos que narra a história da família Buendía.


É daqueles livros que é preciso ler para entender o motivo de ser tão bom, a leitura chega a ser inusitada, uma pessoa é capaz de subir aos céus, outras conversam com fantasmas, algumas vivem mais de cem anos, e o bom é que tudo isso é normal; alguns personagens morrem e o autor não nos conta quem os matou, e mesmo assim a história é fascinante. Eu abria o livro estava no mundo de Macondo. Parava de ler e pensava no que ia acontecer com os personagens.


É um livro capaz de fazer exercitar a memória, embora a leitura seja de fácil entendimento, as invencionices mágicas do autor não foge do senso de realidade. Ao terminar uma leitura como esta, sentimos a nostalgia plena que só os grandes livros são capazes de provocar, e continuaremos a buscar em tantas outras páginas como um remédio para a saudade e a prevenção para a solidão. Digo sem nenhum exagero, sem demérito dos demais, esse é o livro da minha vida. 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

SOBRE BOB DYLAN





            Antes de escrever esse post sobre o cantor me perguntei o que dizer de Bob Dylan? Queria fugir dos clichês mas pensando, ouvindo suas músicas, analisando sua história e lendo seus textos é difícil não cair na vala comum. Não tem como negar que Bob Dylan é um dos maiores nomes da música popular do século XX, um dos definidores de uma era, o rock dos anos 1960 em diante, é um dos principais artistas americanos de sua geração. Trabalhando obstinamente sozinho e usando uma palheta de recurso vastíssima, do folk ao blue, ele criou um conjunto de obra que estilo e tema cria os contornos e as perspectivas da canção popular da metade do século passado.


            Em suas crônicas ele se mostra como um homem sofrido, atormentado por demônios praticamente invencíveis em conflito com um EU público que nunca consegue definir ou controlar e um EU privado que jamais revela, e sendo assim, jamais saberemos se é capaz de se compreender inteiramente.


            Ele nunca quis ser o porta voz jovem da Juventude Rebelde da América. Seu jeito atualmente chega a ser esquisito, acredita que subir a um palco por dinheiro beira a prostituição. Nos anos 60 foi uma das maiores sensações musicais do momento, era o primeiro Dylan e para mim o melhor, aquele das canções de protesto, o garoto operoso e brilhante sobre o guarda chuva  do cancioneiro folk americano. Ele é um artista popular, mas não um artista pop, nunca se misturou e exerceu influencia decisiva sobre as músicas dos Beatles.


            Na verdade Dylan é um artista moderno, conceito que se define entre controlar os impulsos, entre manter a coerência e buscar a originalidade. Antes dele as pessoas nunca tinham ouvido falar em originalidade, pode-se encontrar o fio condutor em sua própria condução que apresenta coerência sempre. Acredito que Bob Dylan tem origem nos poetas que se apresentavam sozinhos, nas ruas com uma temática quase sempre popular irreverentes e com tiradas enigmáticas, lidas para alguém poderoso como um bispo, um senhor feudal ou um rico comerciante.


            Acho que o que mais gosto nele é que desde o começo desconfiou das amarras da fama e resolveu fugir delas. Lutou sempre para não sucumbir aos ditames dos fãs e o monstro devorador da indústria cultural. Considero Dylan genial, trouxe a música rural americana para o primeiro plano, seja como for ele continua produzindo músicas poderosas, já que o artísta só vira peça de museu quando começa a se citar constantemente. Ele teve o condão de fundar uma tradição e continuar contemporâneo, poeta profícuo ou delirante, ele está vencendo a fugacidade da cultura pop.


            Para concluir fico com os seus versos mais queridos, pelo menos para mim: I Like a Rooling Stone (1966): e que tal está sozinha sem casa e sem direção. Que é baseada num conto do próprio Dylan e não tem nada a ver com a famosa banda, embora tenha sido regravada por ela.  Em Blowin’in the Wind (1963): a resposta meu amigo, está soprando com o vento. Era o somatório dos anseios da  geração dos anos 1960, no fim da idade. Em Lay Lady Lay (1969): Deite-se senhora cama de metal na minha grande. É simples e irreverente ao cânon country, e melhor exemplifica Dylan em busca da modernidade.