Histórias
Íntimas da escritora, Mary Del Priori de 2011, foi escrito dentro
da linha da micro história e procura compreender a sexualidade brasileira indo
além dos números oficiais, espreitando as frestas das portas, adentrando os
quartos e traçando um perfil da intimidade dos brasileiros. Para a construção
do livro, a historiadora não encontrou muitos documentos oficiais, o seu
trabalho foi construído com base em tratados médicos, observações religiosas,
pinturas e poesias. O período que o livro abrange vai dos séculos XVI, XVII,
XVII período do Brasil Colônia, século XIX, período que a autora considera como
o século hipócrita, e século XX, que passa pelos anos 1950, período militar até
chegar na nossa contemporaneidade.
No período colonial havia regras e leis
que limitavam as práticas relacionadas ao sexo e ao erotismo, a coletividade
era mais importante do que o individual, não existia a ideia de sistema
privado, tal como o conhecemos hoje, os interesses eram familiares. Sabia-se o
que todos faziam, conforme o que mostra os arquivos da Inquisição, a Igreja
controlava o comportamento dos casais, que não tinham conteúdo erótico ou
sexualizado. Beijos, toques e coitos interrompidos eram proibidos.
A medicina de mãos dadas com a Igreja
via a paixão como uma doença que precisava ser interrompida. O amor patológico
deveria ser tratado com chás, unguentos e outros tipos de alimentos. O mais
interessante desse período colonial é que não era raro se manter relações
sexuais no ambiente das sacristias das
Igrejas e confessionários, estas eram rápidas e com as pessoas
parcialmente cobertas.
No século XIX os médicos pareciam ter
obsessão por sexo, já que falar do assunto era tabu, e essa prerrogativa era da ciência médica, que lutava contra os chamados “desvios
sexuais”: homossexualismo, histerismo, ninfomania, entre outros. As relações
sexuais deveriam ser rápidas e cumprir unicamente a função de procriar. A
honestidade da mulher era medida pelo seus grau de pudor em relação ao sexo e
ao prazer que era controlado pelo esposo.
Mesmo o casamento sendo sagrado,
traia-se a olhos vistos, as prostituas, mesmo discriminadas salvavam a família
burguesa, com elas, os jovens poderiam se iniciar sexualmente e liberar as
pulsões na idade adulta, coisas que não poderiam fazer no leito conjugal.
Chocando-se com a rígida moral que procurava se instalar, por meio de uma
nascente literatura pornográfica, escondida a sete chaves das mulheres.
No século XX, com a República,
inicia-se uma nova vida para o corpo, esse não é mais coberto com véus e longos
vestidos, a vida urbana exigia um corpo leve, que frequentava novos espaços de
sociabilidade como cinema, estádios, escritórios, a mulher moderna quebrava
tabus ao despir as pernas, e para muitos, estava sendo instaurada a devassidão. Mas se valorizava a virgindade, o papel da
mulher no casamento, que era a responsável pela manutenção deste e a tolerância
a infidelidade do marido continuava.
Nas últimas décadas do século XX foram
de liberação quase total. O nu feminino
invadiu as telas do cinema brasileiro por meio das pornochanchadas; as modas
minimalistas tomarem conta das ruas e praias por meio das minissaias, dos
biquínis, dos calções e do topless; a pílula anticoncepcional liberou da
mulher o fantasma da gravidez indesejada; o número de divórcios se ampliou; as
relações homoafetivas ganharam espaços; a televisão construiu um novo modelo de
mulher, liberada, livre das amarras do casamento e que trabalha fora; revistas
destinadas ao público feminino passaram a falar abertamente em sexo, orgasmo e
fetiches; a literatura pornográfica delimitou seu espaço nas bancas de
revistas.
O interessante
de Memórias Íntimas é a reflexão que
ele suscita após a leitura, o afloramento das marcas que marcam a nossa
moralidade, enquanto grupo cultural, somos indivíduos de múltiplas caras:
virtuosos e pecadores; permissivos e autoritários; severos com os erros dos
outros, mas indulgentes com os nossos; em grupo, politicamente corretos, mas
preconceituosos e homofóbicos na intimidade; exigentes dos direitos, mas
descumpridores dos deveres, são nossas contradições.
O livro é
leitura extremamente prazeirosa e embora o tema não seja inédito nos convida a um voyeurismo históriográfico num museu de sexualidade e
erotismo.