sábado, 15 de março de 2014

O COZINHEIRO IMPERIAL: AS PRIMEIRAS RECEITAS BRASILEIRAS


            Passeando pela internet encontrei em versão digitalizada pela Universidade de São Paulo do acervo do José Mindlin o livro O Cozinheiro Imperial, considerado o primeiro livro de receitas brasileiro. Tudo no livro é interessante, desde o autor que não se identifica, o português da época até a reconstrução dos hábitos da sociedade. Publicado pela primeira vez em 1840, recebeu sucessivas edições até o final do século XIX.



            O livro tem a curiosa apresentação: Cozinheiro Imperial ou nova arte do cozinheiro e do copeiro em todos os seus ramos, com receitas que deveria servir as esplêndidas mesas e delicados gostos, bem como ao alcance das mais moderadas posses e das mais simples necessidades. Mas, o livro não era propriamente uma novidade, pois reproduzia O Cozinheiro Moderno, publicação de Lucas Rigaud um francês que foi para Portugal cozinhar para Dona Maria I, a rainha louca.



            O livro tem desenhos dos alimentos a bico de pena, e costumes que já estavam em desuso na época como boas maneiras e trinchadores de carne à moda medieval. Mas é interessante pelo segredos dos molhos, o perfume dos alimentos, e a adaptação da cozinha internacional aos costumes dos trópicos. Reproduzo aqui uma das suas interessantes receitas: Língua de carneiro- estando meio cozidas em água, tire a pele e acabe de cozer em brasa; abra-se depois ao meio e ponha numa caçarola com azeite bom ou manteiga derretida; tempere-se com pouco sal, pimenta, cebolinha, alho, tudo bem picado, e cobertas muito bem de pão ralado. Assa-se na grelha e serve-se com molho de limão.

quarta-feira, 12 de março de 2014

A IDENTIDADE DO CASAMENTO CONTEMPORÂNEO


            Na sua origem o casamento era uma maneira de preservar a tribo. Até bem pouco tempo, casar era um modo de manter o patrimônio familiar. Na história da humanidade a ligação entre casamento e amor é recente e hoje o casamento tem a ver com a nossa identidade, partindo desses princípios  penso o que supera o laço afetivo do casamento? O que mais está em jogo nessa aliança que nos acompanha desde a aurora da civilização?


            Começar a falar sobre o casamento é lembrar de onde ele veio, ele existe como um fato das etnias. Os primeiros seres que habitaram esse planeta tinham dificuldades em sobreviver e a necessidade orgânica e instintiva da procriação. O homem quando se organizou em tribos viu a necessidade de manter esse grupo e o casamento era um alternativa a isso. Um fato curioso é que todas as tribos antropológicas têm em comum a proibição do incesto como resultado da sobrevivência do grupo e da diminuição da guerra. Até o século XIX e início do século XX nós ainda tínhamos para preservar a economia de alguns grupos os casamentos eram arranjados. Só ultimamente que o casamento passou a ser um fato afetivo.


            A relação de casal, a ideia do casal, a existência de pares não começou na história do homem, como um fato afetivo. Hoje ela tenta ser um fato afetivo. De 1950 em diante foi que o casamento passou a viver transformações de fato cultural, econômico, afetivo para atualmente um fato jurídico. Ele passou a ser uma fato jurídico baseado na ideia de que as pessoas não se unem mais pensando em continuar, mas como uma sociedade que dure enquanto de certo.


            A base do ser humano é a angústia que é a mãe de todos os sentimentos, de todos os comportamentos, é a sensação de que nos falta algo. O ser humano ta sempre correndo atrás de algo que lhe falta, segundo Freud para preencher esse vazio o homem constrói a civilização. Alguns de nós colocamos como objeto perdido a ideia de Deus e isso é um complemento, uma resposta as angústias. Mas a angustia é uma falta eterna porque essa coisa que buscamos não existe é um objeto perdido que nunca existiu e nós temos que conviver com a falta.


            Da angústia nasce todos os fenômenos psicológicos a doença, o amor, o ódio, o medo e tudo que possamos colocar como sensação e sentimentos. Da angústia nasce os nossos desejos. Pensando no casamento vemos que é a busca angustiante de um objeto perdido, acredito que ela se inicia de uma maneira social e não psíquica. Hoje as pessoas contabilizam com quantos ficaram, que é nada mais do que uma maneira narcísica de buscar a captura de um objeto de prazer. Esse sujeito que vai conseguindo essas uniões rápidas vai perdendo o desejo de ter uma união longa mesmo que se apaixone.


Hoje nós temos namoros apaixonados mas quando a angústia de cada um começa a ir por outro alguém interrompe isso, que vai fazer com que a união se esvazie. Valendo para tantos casamentos desfeitos, o que parece que contemporaneamente a busca pelo outro é a busca por preencher o nosso vazio e casar pode ser unir-se nas angústias.


Quando o casal passa da fase narcísica da conquista, que não precisa se embelezar tanto para impressionar o outro e da fase social que não precisa namorar no bar, o que liga o casal são as angústias paralelas sentimento base de nossa vida que vai gerar amor (ele me escuta, me entende, me dá a sua opinião). O bom andamento da relação depende do grau de conhecimento entre os parceiros e do nível das angústias que cada um pode suportar do seu cônjuge percebendo que aquilo que sente naquele momento de ira pode ser angustia e não desamor. Acredito que é possível sobreviver no casamento, a margem é perceber que o outro é só um sujeito humano. 


segunda-feira, 10 de março de 2014

A MODA NA BELLE ÉPOQUE BRASILEIRA



A Belle époque é aquele período carregado de uma aura de progresso e bem estar que a humanidade vivia em fins do século XIX e início do século XX. Era o período do progresso nas artes, na literatura, na música e na arquitetura com as reformas urbanas de Paris. Era também nesse momento que passou-se a se conhecer a criação de grandes invenções como: eletricidade, telégrafo, telefone, estradas de ferro e automóveis. Esse período só viria a terminar com o início da Primeira Guerra Mundial, terminando um período de paz e prosperidade, colocando em cheque a capacidade da humanidade em ser detentora do seu próprio destino.


            No Brasil, considera-se que esse período tem início em 1889 com o fim do Império e a Proclamação da República, indo até 1922 com a Semana de Arte Moderna, entretanto, alguns pesquisadores consideram esse período, como indo até o golpe de 1930. É o período que coincide com o crescimento demográfico do país, com a vinda de imigrantes para o sudeste, que branqueariam a população, e a marginalização dos negros libertos nas periferias das cidades.



            As compras já faziam parte de uma cultura urbana, que legitimava a permanência das mulheres nos espaços públicos frequenta-los tinha um sentido maior do que adquirir bens fazia parte dos hábitos da elite. Nos passeios nas cidades era comum as mulheres usar tailleur um conjunto com saia e casaco com gola inspirado diretamente no vestuário masculino com cores escuras em tons de cinza.



           As revistas especializadas da época determinavam o que seria uma mulher de classe. Seria alguém que tinha de trocar de roupa sete a oito vezes durante o dia. Começando pelo robe de manhã, depois o traje da cavalgada, uma roupa elegante para o almoço, o passeio pela cidade, o de visitas, a roupa de jantar e, finalmente, o traje de gala para ir ao teatro e outras ocasiões mais sofisticadas. Essas trocas de roupas eram bastante semelhante as parisienses.



            O vestuário testemunhava o tempo e os meios culturais e financeiros que seu portador dispunha para dedicar à aparência. A aparência não era formadas apenas por itens comprados, mas através de cuidados corporais, era o chamado processo civilizador. As moças deixavam o culto a palidez para se lançarem em banhos de mar, caminhadas e exercícios físicos que lhes proporcionavam um tom mais saudável. Na busca por uma pele perfeita, os cosméticos passaram a ser usados e eram sobretudo, sinal de modernidade.



A necessidade de corpos mais ágeis, pois fim ao reinado de 70 anos do espartilho, deixando a nova silhueta definida por um vestido simples de linhas retas com cintura alta marcada logo abaixo do busto. Nesse período da belle époque acho particularmente interessante a chamada moda do luto. Recomendações de como se deveria vestir nos casos de morte na família, estando desde o tipo de tecido, desde o tipo de luva e calçado apropriado.




Para as classes abastadas que consumiam moda, encenar o fenômeno da modernização na própria aparência era a maneira imediata de compartilhar o modelo europeu de civilização. Com esse intuito, suportava-se o desconforto da moda parisiense que não condizia com o clima quente dos trópicos. Mas não se deixava de andar na moda. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

A LEITURA DA CASA DOS ESPÍRITOS DE ISABEL ALLENDE


            Comprei A Casa dos Espíritos de Isabel Allende em 2011 e ele ficou lá na estante um pouco esquecido, agora ao terminar a leitura me arrependi de não o ter feito antes. Desde a primeira página entrei num mundo encantado de misticismo e magia que logo entra em contraste com o conflito e a tensão do personagem central Estebán Trueba. No entanto, são as personagens femininas que realmente dominam a trama. Clara, Blanca e Alba três gerações de mulheres que lutam pelo que acreditam. Criticadas por uma sociedade conservadora encontram sempre meio de ajudar os outros.



            Clara é indiscutivelmente minha personagem predileta, o seu mundo é mágico ela convive com naturalidade com espíritos, lê a alma das pessoas, tem um cão incomum o Barrabás, escreve tudo em cadernos de anotar a vida. Sua sensibilidade é grande a tudo tem certeza do seu futuro que é casar com Estebán Trueba noivo de sua irmã de cabelos verdes Rosa que havia morrido. Trata todos com o mesmo carinho e simpatia que devota ao marido. É uma personagem extremamente profunda com imensa carga psicológica e sua grandeza está em se afastar dos estereótipos. Por sua visão de mundo se mantém superior a tudo de ruim que pudesse lhe acontecer.



            Blanca filha de Clara é desprezada pelo pai e não herdou os encantos da mãe. Tinha uma personalidade mais forte do que a mãe mas não o suficiente para enfrentar tudo e todos e fugir com seu grande amor Pedro Terceiro, camponês da fazenda do seu pai. No fim perdoa o pai pela não aceitação do romance e mostra ser uma mulher lutadora por ter persistido durante toda a vida para ficar com o homem que escolheu.



            Alba é uma mistura das duas antepassadas mostra ter dons como a avó compreensiva e avessa a certos sentimentos, mas é romântica como a mãe e vive um romance com o socialista Miguel acarretando problemas políticos num momento de mudanças em seu pai. Como as outras é corajosa sendo a única capaz de enfrentar o Estebán Trueba patriarca e dominador da família.



            O livro é uma saga épica. É possível sentir o sabor das grande obras em suas linhas, o passado e presente se entrelaçam para formar uma intriga brilhante de ódio, morte, traição e ira. Isabel Allende nos mostra a profunda visão que tem da história chilena do século XX, do caos do governo Allende ao golpe militar tendo como pano de fundo as desventuras da família Trueba. Os personagens mantém uma certa ambiguidade é possível em pouco tempo ama-los ou odia-los. Acho que o excesso de melodrama deixa o ritmo um pouco cansativo, mas como seus personagens são extremamente explorados é possível retomar o ritmo da obra.




            Considero Allende bem próxima do realismo mágico de Garcia Márquez com a deliciosa união entre o divino e o profano. Nos capítulos finais que trata da situação política a obra se torna mais madura e equilibrada. O livro todo é um tributo a luta das mulheres pela emancipação em uma sociedade machista e autoritária. Dou vivas ao seu feminismo doce e lírico que coroa a excepcionalidade da obra.

quarta-feira, 5 de março de 2014

A MODERNIDADE DA REVISTA O CRUZEIRO.


            Quando começou a circular em 1928 a revista O Cruzeiro já se auto qualificava como um veículo moderno, que trazia com o seu nascimento o anúncio de um novo mundo de arranha céus. O interessante é que no dia do seu lançamento a publicação atingiu simultaneamente todas as capitais do Brasil, o que lhe garantiu o pioneirismo em termos de abrangência nacional. A ideia inicial foi do jornalista português Carlos Malheiro que por dificuldades financeiras, vendeu o título a Assis Chateaubriand (1892-1968) empresário e jornalista. A época ele já possuía alguns jornais e a nova revista contribuiu para o seu conjunto de veículos.


            Em pouco tempo se transformou em um título de grande destaque no mercado editorial brasileiro, encontrando um sucesso de público que se estenderia por décadas até sua última edição em 1974. A revista possuía independência para definir a pauta e os procedimentos internos. Porém como os outros veículos do Diários Associados, estava sujeita a acatar as vontades e os interesses de seu proprietário. Sendo usada como ferramenta de pressão política e ideológica. Era vitrine e meio privilegiado para divulgação de notícias, assuntos variados e campanhas de interesse nacional.


            O Cruzeiro marcou época na história do jornalismo brasileiro ao incorporar a reportagem investigativa e o modelo de fotojornalismo. A fotografia substituiu a ilustração trazendo para as matérias mais impacto visual. A revista era a aproximação da jovem República com o  que se convencionou chamar de civilização ocidental, positivista e tecnocrática, um flerte com as ideias de Modernidade, modernismo e vanguarda. A revista buscou por enaltecer traços que ajudassem na representação do país como nação moderna e democrática.




            O Cruzeiro apresentava matérias jornalísticas sobre temas nacionais e estrangeiros, textos primorosos bem diagramados, apresentando boas fotos e ilustrações. Sua receita pode ser decifrada como uma resenha do noticiário semanal nacional e internacional com muito material fotográfico, literatura, reportagens sobre locais exóticos e quase desconhecidos da flora e fauna nacionais, colunas que abordavam um grande espectro de assuntos.


            Tais características fizeram O Cruzeiro se firmar como a grande revista de penetração nacional em poucos meses após seu lançamento. Muitos leitores se dirigiam à redação da revista na tentativa de encontrar o exemplar que não haviam conseguido comprar nas bancas. O Cruzeiro circulava em todas as classes sociais; tinha como público fiel mulheres e homens, idosos e adolescentes, moradores de grandes e de pequenas cidades, circulavam do Sul ao Norte do país, como desejou “Chatô”, ao projetar a revista.


            Eram destaques na revista as colunas O Amigo da Onça e a seção Garotas coluna de ilustração impressa em cores sobre as jovens modernas e breves textos de ironia e humor. Carmen Miranda era campeã de capas nos anos1940 e Getúlio Vargas figura frequente.  Tinha em seu quadro nomes como: Millôr Fernandes, Ziraldo, Raquel de Queiroz, Anita Mafalti entre outros. E foram eles que construíram um outro patamar sobre a imprensa nacional. Desconsiderando as questões ideológicas, O Cruzeiro inaugurou um outro estilo mais maduro e profissional, com grandes reportagens que fizeram história com iniciação no candomblé, índios, misseis, personagens políticos, extra terrestres, sobre tudo que pudesse ver e ser visto.


            O Cruzeiro trouxe incontestável contribuição para os estereótipos, arquétipos e modelos que temos do Brasil em seus aspectos visuais, culturais, sociais, econômicos e políticos do que seja a nação brasileira e sua chamada modernidade.