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segunda-feira, 21 de julho de 2014

A ARTE DO ESQUECIMENTO


            Se procurarmos o significado da palavra memória encontraremos que se trata de uma faculdade que retém conhecimentos e experiências passadas. Esquecimento por oposição é a incapacidade de reter informações, com um certo descontrole. Por causa da nossa necessidade de controle acabamos valorizando mais as lembranças do que os esquecimentos. Uma agenda de esquecimento seria um empreendimento paradoxal, pois o esquecimento não permite listas, planos, ou cronogramas. Por que então querer esquecer?


            A vantagem de olhar para o passado é a oportunidade de compreender e experimentar esse passado como nosso. Em geral tendemos a olhar para a história como um processo onde não temos nenhuma participação. Olhar para o passado nos ajuda a lembrar que somos também a nossa história. Isso só é ruim quando feito de forma excessiva. Supervalorizar a memória pode, às vezes, significar falta de perspectivas para o futuro. Para o futuro se realizar é preciso as vezes esquecer o passado. O esquecimento é condição de possibilidade de tudo o que é grande, saudável e nobre no homem.



            Saber selecionar o que deve ser esquecido para poder se concentrar no que pode ser realizado, eis o segredo das grandes ações humanas. Parece que nossa época está sofrendo de um excesso de sentido histórico de um exercício desmedido de memória. Um homem que nunca esquecesse ficaria doente e enfraquecido. Esquecer não significa simplesmente apagar da mente e da vista, mas ter a força de recriar a memória de reinventa-la, libertando-se das interpretações oficiais e canônicas e partindo para a criação. A memória pode até ajudar a conservar a vida, mas só o esquecimento pode contribuir com a sua regeneração.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

HANNAH ARENDT E A BANALIDADE DO MAL


Vi recentemente o filme da Hannah Arendt (2013) de Elisabet Van Trota a filósofa que da nome ao filme é autora de uma das mais importantes obras do século XX. Arendt para mim sempre foi uma figura dura, gostei particularmente do filme por ter retratado seu lado mais humano. Como uma professora que tem um trabalho acadêmico, boas relações com seu alunos, uma mulher feliz no casamento, mas com firme postura e decisões bem recortadas diante da vida. O enredo é centrado na época em que Arendt escreveu seu polêmico livro Eichemann e Jerusalém. O filme retrata sua viagem ao julgamento do carrasco nazista capturado na Argentina e julgado em Jerusalém em 1962.



            O que se vê é a polêmica que a produção do seu texto provoca ao desmistificar Eichemann como um louco sanguinário. Sua percepção a cerca desse homem como uma pessoa comum causou mau está entre seus amigos, comunidade acadêmica, judeus e muita gente que não compreendeu sua postura. Ela dentro de uma postura filosófica descompromissada com qualquer tipo de facção, ideologia ou religião, se abstém de personalizar o caso. Admiro sua postura porque ela não usava sua condição de judia como superior a de pensadora.



            Os que se posicionaram mais ofensivamente contra sua tese não a compreenderam, porque o seu caráter é difícil. O praticante do mal banal seria um cidadão comum, que não assume uma postura deliberadamente maligna é aquela pessoa que ao receber ordens, punha em funcionamento a máquina de morte do sistema nazista. Arendt retratou Eichemann como alguém vazio incapaz de pensar que apenas repetia clichês sem qualquer tipo de consciência. A banalidade do mal seria algo tão sério que quando ocupa grupos sociais e políticos ocupa espaços institucionais. 




            Trata-se de um filme denso, mas, uma biografia de alta qualidade ao retratar a personagem por suas ideias e não somente por sua vida pessoal. No Brasil, por exemplo, como se daria a banalidade do mal? Através da naturalização da corrupção da homofobia e de outras práticas excludentes. Filme profundo de ritmo lento, mas de excelente qualidade provando que o cinema é muito mais do que mera diversão.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

A ÉTICA SOCRÁTICA NOS TEMPOS ATUAIS


            Ética significa sem rodeios ou grandes dificuldades “estudo dos hábitos e de suas normas”. Na vida real, a palavra ética surge quando nada mais se tem a dizer, e seu significado é quase nulo. Em meio ao impasse da crença culturalista de que o mal em si não existe porque tudo é construção social, portanto objeto de manipulação retórica e midiática, vivemos a pulverização dos critérios de valor. O conflito entre relativismo e universalismo ético sempre rasgou a reflexão filosófica desde o emblemático embate socrático-sofista.



            Os sofistas definiam a verdade como o efeito da retórica de um indivíduo sobre outro e afirmavam ser o ser humano “a medida de todas as coisas”. O filósofo via nisso uma raiz da barbárie: a elevação da retórica ao nível de norma de construção social de valor que implicaria no niilismo vulgar da sabedoria interesseira. Temos ai uma séria dúvida quanto a viabilidade moral da democracia para além de um sistema que se afoga na retórica.




            Sócrates defendeu a busca de ideias universais e racionais (o bem, a justiça, a sabedoria...), mesmo que essa busca se definisse antes de tudo, pela consciência crescente de uma certa ignorância. Devo ser capaz de reconhecer que quanto mais sei, mas sou capaz de perceber quanto ainda preciso saber. A orientação ética é clara: superar a desordem de um sistema baseado no somatório de opiniões superficiais e na racionalidade interesseira. Em tempos atuais Sócrates continua mais necessário do que nunca. 

segunda-feira, 14 de abril de 2014

FOUCAULT: SUBJETIVIDADE, VERDADE E PODER

            Foucault sempre foi referência em meus estudos acadêmicos gosto de sua filosofia porque apresenta originalidade à medida que resolveu fazer antes a história do sujeito. Como Nietzsche um dos seus pontos de partida iniciais é a figura de Sócrates. Na filosofia ateniense estariam os fundamentos para o pesquisador encontrar as razões pelas quais se configurou a modernidade.



            A leitura de Foucault em torno de Sócrates se desenvolveu principalmente em lições próximo ao fim de sua vida. No curso no College de France ele diz que o conhece-te a ti mesmo de Sócrates estava em sua época relacionado à um trabalho exclusivamente ético e moral, ao cuidado de si, dentro dos preceitos da construção do eu. Nas regras para a vida correta, na preocupação com a alma, nos modos de prestar atenção a si mesmo e exercer com sabedoria o auto governo.



            Ele acredita que a modernidade desviou essa máxima socrática, desviando o cuidado de si, da filosofia como uma construção de vida voltada para a felicidade e a perfeição. Para os modernos o importante sobre o si mesmo é conhece-lo e o importante da filosofia é conhecer. Para Foucault a Modernidade seria marcada por uma nova forma dos indivíduos com o corpo e com os impulsos. Seu pensamento é tão grande e importante para a nossa contemporaneidade que traça a ideia que vivemos sob um poder que se exerce negativamente, para abafar potencialidades, dando a ideia de que o futuro parece não existir, sendo apenas resto daquilo que ainda não foi esmagado pela repressão dos tempos modernos.   

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A INVEJA E A TRISTEZA PELA FELICIDADE ALHEIA



            Acredito ser difícil alguém admitir que sente inveja ter esse sentimento é considerado dentro dos nossos princípios filosóficos como algo vergonhoso. Quero começar fazendo uma distinção entre inveja e cobiça. Cobiça é desejar as coisas do outro é vontade de ter o que os outros têm, não significa que ela seja sempre negativa, eu posso dizer: gosto tanto da casa de fulano que vou fazer uma igual para mim. A inveja ao contrário é sempre negativa dizer que alguém têm inveja branca, está relacionada ao racismo brasileiro além de não entender o que é inveja. Inveja está sempre relacionada a tristeza pela alegria alheia, definição muito bem recortada por São Tomás de Aquino.


            A inveja não resulta na vontade de ter o que o outro têm, essa é a pura  e absoluta cobiça, a inveja é a tristeza que o outro tenha. No purgatório de Dante é um tipo de cegueira, colocada no topo dos pecados os invejosos têm como castigo os olhos costurados com arame, e isso está relacionado a não visão que a inveja provoca. Uma coisa interessante na inveja, é que a maioria das pessoas se considera invejável, mas não invejosa. Um outro elemento é que a inveja está relacionada sempre a alguém próximo: o colega de trabalho, o vizinho, o parente. É mais fácil perdoar o sucesso de alguém distante. Uma pesquisa americana diz que para as pessoas não importa quanto eu ganhe, contando que seja mais do que as pessoas ao meu redor.


            A inveja é a falta da máxima socrática do conhece-te a ti mesmo, escrita no templo de Apolo em delfos, fica mais fácil dizer que o meu fracasso se deveu a inveja do que a minha incapacidade. A inveja é dolorosa porque ela se relaciona sempre a uma homenagem indireta a quem eu invejo. Invejar o corpo, a renda, a inteligência ou a sociabilidade de alguém é dizer sempre que o que invejo é acima do que tenho. A inveja é sempre amargurada, porque nasce do reconhecimento da minha fraqueza. Ser feliz com a felicidade alheia é um grande desafio.


            Penso que todos nos amam quando estamos por baixo, mas poucas pessoas nos amam quando estamos por cima. Na tradição judaico cristã, Caim teria matado Abel por pura inveja. Na literatura Yago inveja Otelo, na peça de Shakespeare, O Mouro de Veneza, não suportando o sucesso deste acaba despertando o ciúme e destruindo a Otelo, Desdomena e a ele próprio. Yago representa a pessoa comum que ao não ser promovido no trabalho por exemplo, não faz uma auto avaliação sobre o seu desempenho, preferindo culpar os outros. A inveja é tratada filosoficamente porque ela traz o defeito socrático do invejo de não se conhecer, o invejoso não ver. Saber o que eu invejo é sempre um espaço possível para eu interpretar o que me falta.


            A inveja é a incapacidade de estabelecer os limites do meu narciso do meu eu, é o reconhecimento da incapacidade e do fracasso pessoal e social. Acredito que a solidariedade ao outro no sucesso é o teste máximo. No momento da dor não testamos os amigos, mas a caridade alheia, esse momento causa simpatia a muitas pessoas. Para Heidegger o teste da amizade é relatar ao amigo o sucesso. 


            O invejoso é aquela pessoa que coloca sua alma à exposição pública. É um pecado e um defeito universal que nasce da diferença humana. Apesar de sermos agrupados em conjuntos de incrível similitude, nós somos, absolutamente diversos. A inveja esconde a dor de que eu prefiro tudo, ao parecer dolorido, fraco ou fracassado. A inveja esconde a falta de convívio com o fracasso, uma habilidade superior a minha, mostra sempre o espaço daquilo que eu não sou. Acredito que a inveja é um grande erro porque ela impede que eu seja feliz, e é esse o seu elemento mais doloroso, ela me torna infeliz ao não me permitir pensar naquilo que eu tenho.