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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O PROCESSO DE KAFKA



            O Processo é considerado como o melhor livro do Tcheco Kafka paradigma da literatura moderna mundial, o mais interessante é que se trata de uma obra inacabada, como se estivesse em processo de construção. O livro apresenta as mais diversas explicações para sua origem desde as biográficas que tentam achar a vida de Kafka na obra as psicológicas que vem o texto como elementos do superego do autor.



            Entendo o livro como uma crítica a burocracia do Estado e a própria lei. Pelo título imagina-se que se trata de um processo jurídico, mas não é, pela leitura se descobre um tribunal que não é convencional, os convencionais se encontrariam dentro desse tribunal maior a que ninguém tem acesso, além do mais não é um único processo que está em questão. O romance mostra a existência do Josef K que vai se degradando a cada capítulo.  



            O livro começa dizendo que alguém deve ter caluniado Josef K, mas que este não teria feito mal algum é aí que reside o melhor da obra porque é levado ao pé da letra os efeitos que uma calúnia pode ter na vida do indivíduo, ele pode ser aniquilado psiquicamente e socialmente como K. A história é construída dentro do cotidiano corriqueiro o que aproxima de nós, o pesadelo do protagonista não é onírico é real ele assim como nós é mero objeto em poder das instituições modernas.



            O Processo é um livro marcado pelo desencantamento do mundo e pela racionalização que o homem deveria ser levado ao esclarecimento proporcionado pela vida moderna. A linguagem aponta para um componente entre dominador e dominado. A ação e a caracterização dos personagens mostra o que há de desprezível e parasitário nos detentores do poder, bem como o sofrimento que imprimem na vida dos impotentes. Obra magistral e essencial para compreensão do nosso mundo e das instituições que estamos submetidos. 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

REVENDO CLARICE



            Em vários momentos de minha vida, inusitadamente os mais difíceis sempre recorri a obra de Clarice Lispector, credito ao seu livro A Descoberta do Mundo, grande parte do meu entendimento sobre o mundo. Clarice revela sua alma através de sua escrita, em trechos simples pode-se sentir isso como: por que o cão é tão livre? Porque ele é o mistério vivo que não se indaga.


            Filha de família Judia, Clarice nasceu em 1920 na Ucrânia, criou-se no Nordeste brasileiro e fez carreira no jornalismo e na literatura no Rio de Janeiro, então capital do país. Viveu o Rio em seu apogeu de cidade culta, cosmopolita, centro do poder político nacional e ainda sem a barbárie atual.


            Marcou desde a estreia a impressão crítica e do leitores por traços raros no cenário da língua portuguesa: fez diminuir o valor do enredo e arredou para o fundo do palco o registro da vida social que foi a tônica da geração anterior à sua no romance, tudo isso em favor de uma elaboração mais sutil da linguagem, um empenho para imprimir na superfície do texto as tensões profundas de suas personagens.


            Ela sempre foi mais do que uma novidade psicológica, mas alguém que tinha uma tentativa de fazer a linguagem ser ela mesma um elemento de interesse para o leitor, que era convocado a aderir a ficção num patamar inédito no Brasil. Sua obra durante a sua vida só cresceu, ela queria que a revelação se fizesse ali, diante dos olhos do leitor diante daquelas palavras que sua prosa ia dispondo por meio de frases enganosamente lineares.


             Clarice sempre me deu alimento, com sua ficção que se vale de traços auto piedosos, o que nem de longe apaga a força dos seus acertos, que ocorrem especialmente quando sua literatura confronta os limites da representação do real vivido. Sua escrita é tão profunda que ela queria a vida e a arte ao mesmo tempo. 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

LEILA E CARLOTA



            Era uma velha cansada e generosa. Cansou. Já não saia de casa e quase não escutava e pouco comia. Diminuíra, encurvara e emagrecera era um pedaço de coisa velha e branca. Os filhos contrataram um enfermeira que cozinhava e limpava a pouca sujeira que fazia.



            A enfermeira tinha quarenta anos, era calma e boa. Não posso dizer que se davam bem, porque a velha já não notava o mundo ao seu redor, fosse uns anos atrás ela não suportaria o matraquear da máquina de costura da enfermeira, agora gostava, sentia o vibrar do som e isso lhe trazia lembranças. Viagens de trens antigas, sem histórias, mas com a sensação de está no banco estofado percebendo a claridade e o mundo ao seu redor. Carlota, velha professora de piano por mais de cinquenta anos, os sons sempre foram carregados de significados e sentimentos. Por mais que se esforçara numa tinha conseguido ser amiga de pessoas com a voz muito aguda ou arrastada. Ao ouvir os sons da rua sabia com precisão a temperatura e a humidade do dia. Modulação, timbre, altura e ritmo foram os seus instrumentos para entender o mundo.



            Leila era forte e negra, todos paravam espantados com o par que passeava nas ruas nas manhãs sem chuva. Para Leila esse contraste nada significava, Carlota no braço sólido e macio de quem se apoiava sabia ser lenta e silenciosa. No quarteirão pequeno sempre as mesmas árvores floridas eram notadas e nomeadas por Carlota. Com tempo ela cansou de falar e apenas parava e olhava demoradamente para cada uma das árvores com o mesmo espanto original e nostálgico.



            Os sonos ficaram compridos e a comida cada dia mais rala. No apartamento quando não estava dormindo, Carlota sentava-se em sua poltrona em frente a janela e ficava horas vendo o vento balançar a cortina de crepe branca. Leila não sabia mas aquele crepe acompanhava Carlota a muitos anos, na casa grande, na pequena e agora no apartamento. Carlota não prestara maior atenção, não era dada a afetos, o crepe veio junto porque veio, podia servir e acabou servindo em uma janela ou outra. Agora estava meio manchado e a luz do sol passava de maneiras diferentes em cada centímetro do pano.



            Carlota imaginava o som do vento do crepe. Pensava na associação feliz entre peso e maleabilidade que o crepe possui, deixando-se estofar para depois voar arrebitado. Refletia também sobre a estrutura atual do tecido, afinal, o pano tem uma história que fazia soar de um modo pessoal e único. Encontro com o sol, o vento e a água, de quantas lavagens já sofrera para começar tudo de novo de forma bem diferente.



            Leila sabia que a velhinha estava perto do fim, aceitava mais não conseguia imaginar que ela sofria. Não havia muito o que fazer mas esse pouco ela faria. Se a audição da velha não mais existia, Leila sabia que sua visão continuava boa ao se encantar com cada nova florada e ficava imaginando como ela poderia sofrer vendo aquela cortina velha. No dia seguinte comprou com seu próprio dinheiro uma nova e levou Carlota para ver, quando foi para cozinha pegar uma bandeja com um copo de  água para os remédios da tarde, ao voltar Carlota já não mais respirava. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

PALAVRAS NO VENTO



Meu pai me deu ao mundo  sem ter mais o que me dá
Me ensinou a jogar palavra no vento para ela voar
Dizia: filha palavra tem que saber como usar
Aquilo é que nem remédio cura, mas pode matar


Cuide de pedir licença antes de palavrear ao dono da fala
Que é quem pode transformar o que você diz em flecha que chispa no ar
Quando o tempo for de guerra e você for guerrear, use pétalas de rosa se o tempo for de amar. 
Palavra é que nem veneno mata ou pode curar. 



Diga sempre o cuidado que se deve dedicar as forças da natureza: o bicho, a planta, o mar;
Palavra foi feita para se gastar, acaba uma, vem outra que voa no seu lugar.
Palavra é que nem veneno mata ou pode curar.



Ainda ontem lá em casa quando cozia o jantar lembrei da voz do meu pai que o vento trouxe a vagar, dos casos de outras eras que desandava a contar.
Gostava de ouvir sua voz, com mundos a inventar, minha cabeça rodava de tudo que ia contar e ainda hoje, quando para me sustentar, palavras no vento eu continuo a jogar.